Costumo
dizer que, obviamente com excessões, todas as pessoas estão disponíveis
e basta uma combinação de palavras certas para que essa disponibilidade
se transforme em um enlace, e o grande mistério do universo humano é
que nunca sabemos qual é essa combinação. Compreendo que a concretização
de um enlace amoroso -- inclua-se aí os relacionamentos ocasionais --
normalmente passe pelas fases de interesse, abordagem, sedução,
confirmação do interesse e resposta positiva antes das vias de fato, e o
grande entrave para realizar-se no geral reside na fase da sedução (que
confunde-se com a abordagem).
Para
a maioria das pessoas -- e perceba-se que até aqui estou frisando que
tudo isso não é regra geral, visto que o ser humano não se pauta por
equações exatas que determinam seu comportamento -- uma sequência de
respostas negativas após a sedução gera uma insegurança que pode
prejudicar tanto a abordagem quanto as tentativas futuras de sedução.
Uma grande quantidade de “nãos” incentiva o indivíduo a não seguir
adiante da fase do interesse ou não saber como demonstrá-lo
explicitamente. O ser humano não é como um pavão, não possui uma cauda
para abrir e atrair o pretenso parceiro -- e embora tenha outros fatores
meramente físicos que cumpram o mesmo papel, até estes são parte de um
ritual social que determina o êxito de sua conquista.
A
proliferação de academias não tem só a ver com o encarceiramento das
pessoas nos meios urbanos ou a necessidade de uma válvula de escape
saudável para a pressão cotidiana, mas sobretudo porque se tornou parte
do ritual social ter um corpo modelado de forma “X” para atrair um ao
outro. Quem não se adequa a isso torna-se menos atraente. Em uma
sociedade que se pauta no “ter para ser” e estabelece que a felicidade é
ligada à realização profissional, uma boa colocação nessa área também
faz parte da sedução, nem sempre de si próprio, mas de parentes e
pessoas íntimas com quem tenha contato -- o “cara” que conhece o dono da
balada, o filho do artista, o irmão do policial -- e some-se a isso a
possibilidade de vantagens ao agregar-se com a pessoa. Isso tudo
estabelece na maioria dos relacionamentos um interesse entre as pessoas
que sobrepõe o real desejo.
A
necessidade de cumprir o ritual social pode ser obstáculo à realização
do desejo mútuo. Duas pessoas que se atraiam esteticamente -- ou seja,
acima dos padrões estabelecidos, de forma espontânea e inexplicável --
são submetidas a passar por uma espécie de “checklist” antes de
ligarem-se, com mais ou menos ítens a serem marcados. Veja que isso se
aplica ao interesse mútuo, e não àquele que parte de um dos dois
indivíduos que busca despertá-lo no outro. A meu ver isso cria relações
anti-naturais instauradas tão somente para preservar a ordem moral da
sociedade e o desprezo dos desejos. Isso também prolifera
relacionamentos estabelecidos com “fetiches”, imagens criadas pelo
próprio ser que só dependem de um objeto para concretizar a
transferência dessas imagens, e não o relacionamento real entre dois
indivíduos com suas características, afinidades e diferenças.
Questionamos o porquê que no geral nossos parceiros tem determinado
padrão, ainda que mascarado e imperceptível sob uma primeira análise?
Pois... Não estamos nos relacionando com um parceiro, mas consigo mesmo.
Nossas paixões e interesses não são pelo outro, mas pela imagem que
criamos dele.
A
repressão dos instintos é fundamental para o convívio em sociedade? É,
mas não de todos eles -- o excesso de repressão cria indivíduos
alienados e, portanto, facilmente controláveis e neuróticos. Até que
ponto então devemos reprimir nossas próprias vontades? O ritual da
conquista cumpre esse papel -- de repressão -- e não fosse seu
condicionamento à premissas anti-naturais a concretização do interesse
seria algo certamente mais prazeroso. Penso por observação empírica que
um facilitador para a libertação desses padrões é a idade e lembro-me
que minhas associações há cerca de 10 anos atrás exigia um processo de
sedução muito mais demorado e dispendioso que atualmente. Como observou
um amigo meu, uma grande mudança que ocorreu em nós com o passar do
tempo é a “falta de paciência para a falsidade”. Hoje minhas associações
são muito mais ligadas ao que realmente sou (ou o que realmente me
apraz) do que o que eu demonstro ser.
Será
que é realmente necessária essa estafa do ritual social (com o passar
dos anos) para valorizar mais nossas características reais que o ritual
para estabelecer relacionamentos? Penso que não. Um indivíduo consciente
pode lutar contra esses padrões e dois indivíduos conscientes podem
rebelar-se contra essa sedução falsa para concretizar o interesse mútuo.
Quando passarmos a pautar nossas relações pela nossa natureza e não
pela moral repressora teremos enlaces realmente mais prazerosos, que
enriqueçam ambos os indivíduos e, sobretudo, que sejam realmente entre o
um e o outro. A sedução sempre existe, seja através de uma conversa ou
ações que procurem estabelecer afinidades (inclua-se o sexo que aconteça
antes da concretização de fato -- sim, acontece), da mera troca de
olhares, da demonstração de credenciais culturais, empatia, dentre
outros. A questão é que a moral impõe a necessidade de um ritual
desnecessário além de tudo isso quando há o interesse mútuo. Nossas
potenciais vidas a dois poderiam ser muito melhores se esse ritual fosse
desnecessário e bastasse ser apenas nós mesmos para ligamo-nos a outras
pessoas -- e sobretudo, todo esse processo poderia ser mais prazeroso
que cansativo.