Chorão: Overdose de Realidade

Só o laudo da necrópsia irá confirmar se o Chorão morreu ou não de overdose, mas a possibilidade já repercutiu na maior rede social do mundo, onde li um comentário imbecil que dizia, simplificando, que "o Chorão morreu de overdose, bem-feito, quem mandou usar drogas!". Vou refletir sobre a imbecilidade deste comentário, admitindo a possibilidade não-confirmada de que o cantor e compositor -- excelente, aliás, no atual cenário da música brasileira onde "tchu-tchá" e "lek lek lek" fazem sucesso -- tenha de fato falecido pelo abuso de drogas.
O principal norte da nossa sociedade hoje é o "ter para ser". O indivíduo não é definido por suas características pessoais, tais quais honestidade, integridade, bondade, mas sim pelos bens que ele tem e pela posição social relacionada ao emprego que ele ocupa. Eu mesmo sou conhecido em muitos círculos como "Filipe do Banco do Brasil", e só meus amigos mais íntimos me consideram uma pessoa e não um empregado concursado de uma empresa federal -- em detrimento de qualquer outra coisa que eu faça.
Para ser bem-sucedido e feliz, aos olhos alheios, preciso galgar altos cargos e ganhar mais, ganhar bem (o que, convenhamos, é difícil para um bancário). No próprio meio do trabalho, o fato de eu ter alcançado a gerência faz com que eu seja muitas vezes colocado em um pedestal. Mal sabem eles que, quanto mais eu ganhei, mais vazio eu senti.
Ora, se eu assalariado fui acometido por um vazio proporcional ao aumento do salário, que dirá alguém que já conseguiu o ápice do "ter". O que sobra para esse ser que já alcançou o ápice daquilo que a sociedade considera como premissa para ser feliz? Não sobra nada. Literalmente, nada. O grande problema disso é que acabam as opções para ser feliz e o indivíduo percebe -- ora, não estou feliz, e agora não há meios de alcançar essa felicidade. A sociedade cultiva e engendra esse vazio em nós: quanto mais sentimos um vazio, mais tentamos preenchê-lo consumindo, trabalhando, nos envolvendo em relacionamentos doentios e criando famílias disfuncionais. Talvez a hipérbole de tudo isso seja o uso de drogas -- sim, porque a depressão muitas vezes é anterior a esse processo, e digo isso com conhecimento de causa.
Depressão mata. Eu já quase morri duas vezes por isso. Quem percebe-se infeliz e entra na dita "visão de túnel", desacreditando em qualquer alternativa para resolver os seus problemas, preocupa-se com a morte? Eu não me preocupava. Mas há também outra alternativa que não a morte que trás prazer imediato, uma espécie de efeito maximizado do chocolate e da nicotina: as drogas. No começo parece uma forma rápida de ter prazer: depois do abuso e consequente dependência, entramos em uma espécie de hipnose que acaba com outras possibilidades de felicidade -- a única possível era, no meu caso a engarrafada ou a em saquinho de R$10. Não é, aliás, uma forma homeopática de suicídio? Bem, depois de não ter sucesso nas vias de fato, eu não me importava com isso. Morte lenta ou rápida, que se dane, pelo menos que eu seja feliz -- ciente de que é uma ilusão -- antes de morrer.
A dependência química e a depressão não são o cerne da doença, são um sintoma de uma doença em muitos aspectos social. Nem todos que são submetidos à loucura do mercado e das relações superficiais e disfuncionais atenuam seus problemas com uma Neusa para dor de cabeça e um Omeprazol para o estômago. Deveriamos nos questionar, aliás, porque é que a maioria dos medicamentos são vendidos sem receita médica -- prescritos pela propaganda e, sobretudo, porque é que as farmácias sempre tem fila e as bibliotecas estão sempre vazias. Para os casos mais extremos os psiquiatras receitam a torto e a direito o segundo medicamento mais vendido do mundo: clonazepam em suas mais diversas dosagens. A ansiedade virou tão somente um motivo de consumo.
O Chorão é uma vítima desse cenário que mata muitos diariamente, mas como é famoso, recebeu destaque. Fui amigo de um jornalista genial que morreu há pouco mais de três anos por misturar ansiolíticos, álcool e cocaína. As diversas notas da imprensa que saíram a respeito falaram de suas realizações durante a vida e calaram-se quanto ao que levou ao fim da sua vida -- ao que um jornalista independente tirou-me lágrima dos olhos falando sobre seu trágico fim, a troca de sua genialidade pela droga e sobretudo como ninguém deu a mão a ele quando isso aconteceu. Segregação: essa é a forma mais fácil de deixar de combater a doença, o mesmo que fazem com a criminalidade. O Estado, aliás, na contramão do movimento anti-manicomial, acaba de incentivar essa estratégia e aprovar a internação compulsória de dependentes químicos. Narcóticos Anônimos diz desde a década de 60 que o único requisito para ser membro é o desejo sincero de parar de usar. Ao ignorar esse desejo ao invés de despertá-lo, qualquer tratamento é inútil.
Enquanto não percebermos que felicidade não é ter, é ser, nossa busca por isso continuará incessante. Como nunca iremos alcançá-la sempre correremos o risco de tentar atenuar nosso vazio com qualquer atenuante -- não necessariamente as drogas, mas quem sabe ansiolíticos (que podem provocar uma dependência maior do que a da cocaína), anti-depressivos, consumismo desenfreado, relacionamentos doentes e famílias disfuncionais ou até mesmo com a morte. Se Chorão tivesse ficado só no skate talvez não teria sido acometido pela depressão e teria prazer na vida em suas pequenas realizações. Ganhar dinheiro, comprar muitos imóveis ou carros de luxo -- ou cheirar cocaína, nada disso trás felicidade. Acredito que o que pode nos fazer felizes são as pequenas coisas, todas aquelas que fizermos com prazer e que nos abra um sorriso sincero. Mas essas coisas são as que menos percebemos.

2 comentários:

Ana Liése disse...

Percebe-se que é um texto de quem já refletiu bastante sobre o assunto, porque o aborda de muitos ângulos. Há uma afirmativa excelente, que ao meu ver aponta para a solução: despertar no usuário de drogas a VONTADE SINCERA de parar, sem o que qualquer tratamento não terá bom resultado. Muito bom texto.

Anônimo disse...

Não se pode levar um texto tão infantil desse com seriedade. A estructura do texto passa pela idéia dum ''Eu'' como algo que se dá só posteriormente ao NÓS(sociedade); como isso é um erro, uma insanidade, todo o texto é um arsenal de besteiras. Se o auctor do texto tiver o mínimo de intelecto, ele entenderá, decerto, o que estou a dizer.

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