Apego

Quanto à minha existência promíscua, o segurança do banco comentou: "O bom é que você não se apega a ninguém". Não deixa de ser interessante saber que é assim que me vêem, uma vez que combato o apego quase tanto quanto combato o moralismo. Tal afirmação, todavia, está longe de ser verdadeira.

Quisera eu ser de fato desapegado às pessoas e as coisas. Isso certamente facilitaria muito a minha vida: que seria eu se não fosse apegado à pseudo-instabilidade que adquiri quando fui admitido em uma empresa quase pública? E se não fosse apegado à família, às convenções sociais que me prendem e me fazem permanecer apegado a toda uma cadeia de relacionamentos pessoais que construí e insisto em pensar que significam alguma coisa? Que seria eu se não tivesse me apegado à Camila, à Tati, à Rosângela, e a todas as outras que duraram menos tempo em minha vida? Que seria de mim sem meu apego?

Sabe, é difícil dizer que sem apego, eu seria uma pessoa melhor. O apego é uma âncora, e desancorado eu poderia navegar por toda a existência, sem parar nos portos -- ou conhecendo portos novos. Mas até que ponto aquilo que considero "bom" em meu caráter não foi reflexo dessa âncora? Como posso determinar realmente se aquilo que está tão intrínseco em nossos valores é prejudicial, limitador, um traço de insanidade que se considera enquanto são?
Na verdade, não posso. O apego está enraizado em mim. Dele surge o sentimento de posse, e sua consequência, o ciúme. Dele surge minha noção de família enquanto círculo eterno e intocável, que permanece unido até a morte de seus integrantes. É daí também que brota minha necessidade por ter uma casa, amigos, emprego fixo e meu Arguilé. Do apego surgem todas as motivações para continuar a vida, ou melhor, o apego pela vida.
Sendo um ser assim tão apegado, é completamente duvidoso de minha parte afirmar que não me apego a ninguém. Claro que o auto-controle e a disciplina, algo que aprendi com o passar dos anos e desilusões -- sim, porque um dos produtos do apego é a espectativa, que por sua vez sempre termina em desilusão -- ajuda a manter-me são e cada vez menos apegado. Quem me conheceu aos 18, por exemplo, lembra-se de um homem que se apaixonava sempre, apegando-me a uma ou outra com uma facilidade imensa. A desilusão me ensinou a controlar esse apego e a boicotá-lo a tempo de não gerar falsas espectativas.
Quando terminei com a Mariana, perto do fim de 2005, aprendi que meu apego não era a ela, ou a outra, ou outra. Era ao próprio sentimento. Apeguei-me à paixão como a um opiácio, ao torpor que ela gera em mim como a embriaguez que o álcool provoca. Desde então, passei a me envolver com pessoas tentando delimitar o meu apego pela paixão ao meu apego pelas pessoas, o que simplificou por demais as coisas.
Mas meu desapego ainda está longe de ser o ideal. Sabe, apesar de ter um coração calejado, como costumo dizer, no fim do ano passado me apaixonei por uma garota que não fazia idéia de meu sentimento. Como vi que não ia dar em nada, voltei todas as minhas forças pro boicote dessa paixão -- desse apego --, e continuei me relacionando com ela como se nada tivesse acontecido. Até hoje, é assim. Há pouco, também, estive apaixonadinho -- como costumo definir as micropaixões -- por uma outra por quem também optei por não dar chance pra desilusão. Não deu em nada, de novo.
Posso dizer que o resultado dessas experiências é um cara que se apega, mas pondera muito mais que antes para apostar todas as suas fichas num jogo que está potencialmente micado. Encaro todas as minhas experiências quanto finitas, todas minhas posses enquanto passageiras, todas as minhas casas enquanto um abrigo passageiro. Assim também entrego-me muito mais aos momentos, sabendo que não são e podem não ser mais que momentos. E assim vivo minha vidinha, à qual ainda continuo apegado.
Parece-me que o correto é o meio termo, como sempre, e isso é algo que não consigo aprender. Considerar apego como maléfico ou benéfico na realidade é considerar sua aplicação (ou não aplicação) em excesso: ser apegado demais em todas as situações é ruim, não o ser também não é bom. Me é claro que devemos nos apegar a algumas coisas e não a outras, mas ainda não é claro a que devemos ser apegados ou não.
Por hora, sigo encarando minhas experiências como laboratoriais, ponderando acerca de meus erros e acertos, e sobretudo como reajo a eles. Certamente não encontrei a cura para minhas debilidades: mas alguns remédios eu já conheço. Só falta saber a posologia.

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