Velhinho Sentado no Banco da Praça

Comecei alguns posts sobre o momento que estou vivendo agora -- que chamei de "velhinho sentado no banco da praça" -- mas não consegui concluir sem que achasse tudo o que estava escrevendo muito chato ou demasiadamente prolixo, o que contradiz tudo o que sinto nesse momento.  Ontem vi um blog de
aforismos de uma amiga que, per se, fala mais em algumas linhas que muitas linhas que vejo escritas por aí. Acho isso um bom ponto de partida para, enquanto "velhinho sentado no banco da praça", começar a falar alguma coisa.
O "velhinho sentado no banco da praça" poderia alimentar os pombos. De fato, ele já pode ter levado um saco de pipoca para fazer isso, mas sabe que os pombos sempre comem pipoca e estão empesteando a cidade, e não vê mais graça nisso. Nessa altura, poderia ler o jornal. Ao abrir o jornal, o "velhinho sentado no banco da praça" lembrar-se-ia do Eclesiastes e ficaria entediado ao ver que nada de novo se faz debaixo do sol desde 935 a.C.. Não se daria ao trabalho de comprar um Estadão. Sim, mesmo que o pau estivesse comendo num pseudo processo democrático eleitoral.
Outrora chamaria isso de hiato, mas não, isso não é um hiato. Um hiato é uma lacuna, é um intervalo, é silencioso em sua continuidade silábica interrompida. É o silêncio que precede o esporro. O "velhinho sentado no banco da praça" não é silencioso, nem para si, nem para outrém. Muito embora ele opte por não falar na maioria das vezes -- e olha que, como numa maldição merleaupontyniana, às vezes não lhe é dada a opção de ficar quieto, quisera ele ser pintor ao invés de ser filósofo, até o silêncio do "velhinho sentado no banco da praça" acaba por ser barulhento.
Ao escritor, ao filósofo, pede-se conselho ou opinião, não se admite que mantenham o mundo em suspenso, quer-se que tomem posição – eles não podem declinar responsabilidades do homem que fala. A música, inversamente, está muito aquém do mundo e do designável para figurar outra coisa senão épuras do Ser [...]. O pintor é o único a ter direito de olhar sobre todas as coisas sem nenhum dever de apreciação. (Merleau-Ponty, O Olho e o Espirito)
Percebi isso ao longo dos meus mais de 50 dias de sumiço. Nunca apareci num raio de programa de televisão (tá, apareci em alguns), nem publiquei nenhum livro, mas não posso me dar ao luxo de desaparecer por uns instantes em paz que, ao voltar, encontro teorias tecidas sobre meu desaparecimento. Quando volto, eu que consegui parar, sentar no banco da praça, não tenho vontade de alimentar os pombos nem de abrir o Estadão, mas vejo que o mundo continua o mesmo. Observo as coisas com um olhar um tanto cético, um tanto apático, um tanto... entediado. 
Alguns continuam gritando aos céus com a esperança de que o mundo pare para que elas desçam, eu já não nutro mais essa esperança. Quando optei pelo isolamento, foi porquê um grande amigo rodou tanto com o mundo que agora não está mais nele. Eu percebi que não queria mais ficar girando, e girando, e girando. Queria sentar no banco da praça. O planeta não para para eu sentar. Eu paro.
Claro que, por inércia, colocar em repouso um corpo girando tem lá seus prejuízos. Não é muito fácil. Se estivessemos falando de mecânica newtoniana, precisaríamos de uma força igual e inversamente contrária para fazer o corpo parar de girar. Gracias Dios, a existência humana não se rege pela física newtoniana. Deixemos as máquinas sejam estudadas pela ciência e o homem compreendido (ou não) pelas coisas que extrapolam o limite da ciência -- aquilo que surgiu antes da ciência, que é além da ciência, que não enxerga o homem como res e que nos vê como sujeitos e partes dessa teia que é a existência (afinal, ainda citando Ponty, "nossa ciência e nossa filosofia são duas conseqüências fiéis e infiéis do cartesianismo, dois monstros nascidos de seu desmembramento". Não vou parar o mundo para descer. Parei a mim mesmo para olhar o mundo.
A essa altura, minha pretensão de não ser chato ou prolixo já falhou. Ambas. Falei -- escrevi -- demais, o suficiente para que só eu mesmo leia tais baboseiras até o final, ou nem mesmo eu. De qualquer forma, é bom desabafar consigo mesmo. Vou falar mais sobre o velhinho: o "velhinho sentado no banco da praça" só dialoga com seus próprios pensamentos. Quando olha o movimento dos pombos, os vê voando em círculos e pousando nos mesmos lugares para comer as mesmas pipocas que os outros velhinhos -- ou jovens, que ainda não desistiram de alimentá-los, e nada pode dizer a respeito. Se comenta que de nada adianta não alimentá-los, frequentemente escuta que está errado, que dar comida a eles pode mudar o destino dos pombos. Se olha para o lado, vê alguém abrindo o jornal. Se diz que já sabia que as ações daquela empresa vão cair em breve, escuta que o mercado vai reagir e que está sendo pessimista.
Às vezes, o "velhinho do banco da praça" se depara com uns corações apaixonados -- e até suspira. Para esses, evita comentários. Lembra-se de uma história que ouviu há muito tempo atrás, que dizia que o coração mais valioso era aquele que tinha mais cicatrizes, não o que nunca tinha sido maculado. Sabe que só o tempo pode curar as feridas em aberto. Vê que tem amigos prestes a caírem no buraco. Mas aprendeu, como um bom "velhinho sentado no banco da praça", que não adianta dizer nada nesse caso... Alertas, advertências, até dá. Aprendeu por conta própria que o fogo queima, dói, arde, às vezes quase mata. Mas conseguiu sair dele para estar aqui, sentado na praça, olhando os outros e vendo os pombos, os jornais, as pessoas, o mundo. E nunca ouviu as advertências de ninguém, por que esperaria ser ouvido?
Fica triste nesses casos. Mas não vai se levantar. Segue sentado no banco da praça. Espera que seu silêncio não incomode. Muito. Não vai conseguir evitar uma lágrima se vir os mesmos erros serem cometidos por pessoas próximas, mas não vai deixar que essa lágrima seja vista. Nem vai dizer "eu não disse". Vai permanecer calado. Sentado. No banco da praça. Até que tenha que se levantar. Um dia não vai mais estar no banco da praça. Não perguntem onde estará quando não mais lá ele não estiver.

1 comentários:

Primo do TBD disse...

Ufa, depois desse texto nem consigo pensar em nada para escrever, parece q você conseguiu usar todas as palavras do dicionario... Hahaha... Isso mostra que você não é um simples velhinho sentado no banco da praça, é um jornalista velhinho sentando no banco da praça, e não dos quaisquer, é um jornalista fodido sentado no banco da praça porque esta descansando e esperando a próxima inspiração chegar.. Você ainda não escreveu nenhum livro, então talvez seja por isso que você esta sentado, se preparando, pois palavras não te faltam...

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