Por que não votar no Tiririca

Queria produzir um texto completamente desprovido de opinião. Acho que minha inspiração está se esvaindo dia-a-dia. Minha paciência também. Diz-se que "o filósofo não pode declinar da responsabilidade do homem que fala", algo assim, segundo Ponty. Foda-se! À partir do momento em que você começa a
escrever, sobretudo, publicar suas idéias e ser lido, começa a cobrança pelo que você tem a dizer em seguida, como se você sempre tivesse um parecer a emitir sobre qualquer coisa que fosse, seja uma mísera folha que cai de uma árvore quase morta sufocada pelo concreto que dilacera suas raízes, seja sobre um processo eleitoral que você tenta se manter alheio, por mais que seja bombardeado por ele tanto quanto pelo Axé ou pelo Funk num país onde a contra-cultura é uma imposição, já que falta panis para distribuir a todos então, que impere o circensis.

Nessa altura, quisera eu poder manter o mundo em suspenso, como o pintor de "O Olho e o Espírito", de Merleau-Ponty: "O pintor é o único a ter direito de olhar sobre todas as coisas sem nenhum dever de apreciação. Dir-se-ia que diante dele as palavras de ordem do conhecimento e da ação perdem a virtude". Gosto do outro exemplo que ele dá, que deixa isso mais claro: "Ninguém censura Cézanne por ter vivido escondido em L’Estaque durante a guerra de 1870, [...], enquanto qualquer estudante, depois de Niestzche, repudiaria prontamente a filosofia se fosse dito que ela não nos ensina a ser grandes viventes".

Ao bem na verdade, fazendo tudo isso como justificativa e olhando para a atual conjuntura, penso se não é sensato -- ou no mínimo, interessante -- esquecer por alguns instantes esquecer a história que vivi (como numa espécie de tabula rasa momentânea) na política e dedicar algumas linhas ao candidato a Deputado que, dentre outras coisas, titula-se "abestado": o Tiririca. 

Em primeiro lugar, é interessante pensar que o voto no palhaço chamou tanto a atenção da massa que, segundo o Datafolha, só o Enéas foi mais votado que ele (claro que ainda estamos falando de "intenções de voto"). O que é que faz um deputado federal? Ele diz que não sabe. A massa não sabe. A maioria não quer saber, não é educada para isso, é obrigada a votar, e aí o Tiririca cai como uma luva -- sem contar os que realmente se sentem representados por ele, aqueles que são simples, semi-alfabetizados, "sabem ler e escrever" como diz o site do TSE quando refere-se à escolaridade do candidato em questão. Temos aí então o tal "voto de protesto" e o "voto dos representados".

Mas há de se lembrar, como me lembrou meu grande amigo Profº João Bosco essa semana, que estamos falando de um personagem, e que não podemos partir de um pressuposto de que não há nada além desse personagem -- lembrou-me ele do Cacique Juruna, que não é da minha época, mas eu já tinha ouvido falar das famosas gravações que ele fazia das promessas dos políticos pelo senado. Francisco Everardo Oliveira Silva, a.k.a. Tiririca, nasceu em Itapipoca, Ceará, longe de Garanhus, em Pernambuco, mas bem mais perto de lá que em São Paulo, onde tanto o conterrâneo nordestino petista, quanto ele, vieram fazer sua vida política. Um escolheu o palanque sindical, outro preferiu um palco alternativo: o circo. Ambos não tem formação acadêmica, nem falam bonito. Agora os dois estão na mesma coligação partidária, e pasme, Tiririca teria mais votos que Lula teve em 1986 -- 650 mil. Não, não estou dizendo que não existem diferenças. Estou ressaltando as semelhanças.

De Garanhus, um chegou a Presidente do Brasil, passando pelos palanques sindicais, traindo os trabalhadores, dando mais lucro agora para os banqueiros que reajuste para os bancários. De Itapipoca, ao que tudo indica, o outro vai chegar a Deputado Federal, passando pelo palco de circo, com trajetória mais nobre: sem trair ninguém, falando a verdade, dizendo que a coisa tá ruim, assumindo que pior que tá, não pode ficar. E, mesmo que na pele de um personagem, fica do lado do povo: "você sabe para que serve um deputado federal? não? eu também!"

Concordo com todos os que estão dizendo que voto é coisa séria. É mesmo. Então não vamos esquecer em quem realmente está transformando esse país em um circo, em quem está fazendo todos nós de palhaço, em quem está maquiando tudo isso distribuindo panis para quem não tem um mínimo do que comer e precisa na verdade de emprego e condições dignas de vida, não de esmola do Estado! O Tiririca talvez trabalhe como palhaço, coisa que muitos candidatos já nem sabem mais como representar: não palhaços. Trabalhadores.

Eu não voto no Tiririca. Nem escutava o Tiririca. A licença poética que pedi ao iniciar esse texto foi para poder fazer esse comentário, sem pudores, e fazer uma crítica àqueles que chamam de palhaço -- em tom pejorativo, esquecendo-se que palhaçada, nesse sentido, é aquilo que propõe-se a fazer a Dilma ou o Serra pelos próximos quatro anos. Lamentavelmente, Francisco Everardo, o intérprete do Tiririca, aquele que será eleito se votarmos no palhaço, é apoiador dessa política. Por isso sim, contra a continuidade do circo brasiliense, ele não é uma opção viável de voto. Nem como protesto.