Opção: a fonte da verdade no homem

Há muito tempo atrás, tinha a prática de fazer jejum uma vez por semana, por motivos religiosos/filosóficos. Era uma provação pela qual passava e passava bem, à meia noite em ponto do dia seguinte eu comia de forma saudável, sem me empanturrar.

Mas em todas essas práticas de sannyas -- renúncia em sânscrito, ou sacrifício, há de se ter uma coisa em mente: a renúncia só é verdadeira quando é motivada por uma opção, e não pela falta dela. Quanto ao jejum, se eu estivesse fazendo por necessidade e não por opção, isso não seria uma renúncia real. Faço um paralelo com isso com uma discussão que sempre tive com minha última namorada: ao passo que ela acreditava que a bondade é inata ao ser humano, eu dizia que a verdadeira bondade é a do homem que conhece o mal, pode praticá-lo e ainda assim, optou pelo bom -- pelo justo.'., acho que seria uma palavra mais correta. Ou seja, tudo o que é verdadeiro em um indivíduo, ao meu ver, não é aquilo que se manifesta sem que a parte contrária também se manifeste, mas é a opção que ele toma quando apresentadas essas duas (ou várias) opções. Não posso deixar de frisar que isso é só um exemplo, já que não acredito na dualidade entre bem e mal: creio é no justo.'..



Um adendo importantíssimo a isso é citar o que um velho amigo -- irmão.'. -- meu que diz que os mantras mais poderosos da vida são o "sim" e o "não", e na verdade, tudo perpassa por isso mesmo: é acordar todo dia, colocar-se diante de situações e dizer sim ou não a elas.

Nesse momento, todavia, estou em um impasse: estou passando por um sofrimento profundo e a única coisa que faz com que isso não chegue ao ápice e me tome por completo é a meditação, que me traz uma sensação de paz. Ora, nessa circunstância realmente não sei definir: estou fazendo isso por opção ou por falta dela -- diga-se, estou fazendo isso porque preciso evitar o sofrimento, tenho a necessidade disso, ou porque optei por atenuá-lo? Simplificando: estou fazendo isso por opção ou por mera necessidade? A resposta a essa pergunta implica ao que eu disse no segundo parágrafo: a verdadeira renúncia (sannyas) não está em fazer algo por não poder fazer outra coisa, mas em ter as duas possibilidades e escolher por uma delas.

Entenda-se todavia que quando falo em um "impasse" estou falando em mera curiosidade sobre isso, não sobre uma questão fundamental para embasar minhas ações -- afinal, tenho um mínimo de inteligência para saber lidar com as ferramentas certas nas horas certas e reconhecer que, se uma coisa está dando certo, ora, esse é o caminho.

Aprofundando um pouco mais essa divagação, a dualidade entre bom e mau remete ao certo e ao errado: é o sacerdote católico de Diderot na Viagem de Bouganville, onde chegaram a uma tribo "selvagem" e se depararam com seus costumes. O sacerdote acabou sendo vencido pela argumentação de um dos sábios anfitriões da tribo e da forma mais atraente aliás (até para Agostinho), através da libido -- os "selvagens" eram de uma sociedade matriarcal onde a mulher não era vista como posse, então se o homem desejasse até a esposa do anfitrião, ela lhe seria concedida sem problema algum. No fim das contas, o cara comeu as duas filhas e a mulher do sábio e concluiu-se: o capelão é monge na França (na França, haja como francês) e selvagem dentre os taitianos (no Taiti, haja como selvagem).

Não concordo muito com isso, me lembra Freud falando sobre a necessidade de conter nossos impulsos para manter a ordem social. Acho que para chegar a uma sociedade justa o homem teria que agir de acordo com sua própria natureza e naturalmente harmonizar-se com o outro, sem alienação ou influências mercadológicas. A alienação hoje é tanta que as pessoas nem conhecem sua própria natureza! Ok, tergiversei, vou voltar ao assunto: para o capelão que chegou no Taiti, deitar-se com uma (ou várias) mulheres era errado, pecado, mas para o capelão que passou a viver com os taitianos, isso deixou de ser errado -- ao que formou-se o conceito de que o errado é certo em determinada conjuntura e vice-versa (na França o que é errado é certo no Taiti).

Na nossa sociedade, por exemplo, se um homem tem duas mulheres é considerado um canalha. Já dentre os Afegãos, isso está certo desde que ele possa sustentar a todas elas. Aqui os casamentos são por opção, na Índia os casamentos são arranjos de família -- e lá isso é o certo. Pois, pensando nisso, elimino também a dualidade entre certo e errado e volto a falar sobre o justo.'.: o que é chamado de certo, para mim é a sabedoria de saber agir diante da forma da situação que se apresenta. Lembrando do Taoísmo, às vezes o não agir implica em agir: no meio de uma guerra, a verdadeira não ação (akarma em sânscrito) é entrar na luta, e não ficar imóvel, ao passo que em meio a uma série de erros cometidos na condução de determinada situação não agir é ter a humildade de voltar ao começo e aí sim, deixar de agir (até que venha a sensatez). Entenda-se "não agir" da mesma forma que o conceito de justo.'. que apresentei, já que para o Taoísmo a forma de viver é através do akarma, da não-ação.

Certo e errado... Uma curiosidade sobre isso: se você está parada no farol e alguém venha te roubar, a lei tem forte tendência em considerar você errado se reagir atropelando o assaltante. Ou aquela história: o indivíduo atropelou por acidente um cara que apareceu de supetão na sua frente correndo no meio da rua -- ele errou. O atropelado na verdade só estava correndo no meio da rua naquele momento por ter acabado de assaltar uma aposentada -- e aí, o atropelador continua errado?

Para mim portanto certo e errado, bom e mau, pecado ou virtude, tudo isso é vinculado ao justo.'. e não são duas coisas em separado. O diabo prova o homem através do pecado, mas Deus também provou Jó através do sofrimento. Isso faz com que Deus seja mau igual ao diabo? Ora, se Ele é onisciente, ele sabia que Adão iria comer a maçã, e ainda assim não interveio antes disso acontecer, só expulsou-o do Éden depois disso.

O correto então (só usei correto para não usar certo de novo e deixar o texto cheio de ecos) é ter a sabedoria de agir da melhor maneira -- a maneira ideal -- diante do que se apresenta. Ser flexível e admitir-se como um ser falível, que não se sentirá traído quando for obrigado a agir contra suas convicções se isso for necessário. Ter a mente aberta para aprender o máximo que conseguir, e com isso aumentar seu leque de opções a tomar, e fazer isso sem julgar as coisas como duais, só como diferentes. Ser justo.'..

Da opção deriva-se o que é chamado de certo mas deveria ser chamado de justo.'.. Só um ser que conhece várias possibilidades para poder optar por uma delas é que pratica ações verdadeiras. Aquele que não opta não age pela verdade: faz da forma que faz por falta de opção, de raciocínio, e com isso distancia-se ainda mais da verdade e da justiça.

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