Uma forma de enfrentar as coisas

Todo mundo pensa que sua vida não é fácil e a maioria compara isso à vida do outro achando que as coisas para ele são mais fáceis. A grama do vizinho é sempre mais verde, dizem... Eu já tive muitas dificuldades e se defino-as assim, falo de coisas que foram difíceis de enfrentar ou superar -- e é claro, continuo tendo outras. Será que o que essas dificuldades são comparáveis à de um familiar meu que teve de enfrentar um câncer, coisa que nunca tive (em matéria de saúde só tive dois problemas graves, uma crise asmática que quase me matou no começo da década passada e um problema psíquico causado pelo trabalho). Não acho que dá para comparar as vidas e dizer que uma é mais fácil e a outra não. Para começar, "dificuldade" é como "beleza", remete diretamente ao indivíduo: o que é belo para mim não é belo para o outro -- e o que é difícil, idem. Situações que enfrento com facilidade podem atravancar outra pessoa. Mais ainda, com um exemplo atual: terminei um relacionamento, ela está bem, superou, e eu estou na fossa.
O problema está na realidade no impacto que essa dificuldade gera e se ela extrapola os limites do si e toca o outrem: não é justo envolver o outro em seu problema, já que como estabeleci lá em cima, nenhuma vida é fácil. Infelizmente, existem muitos outros que, até mesmo para afugentar-se de seus próprios problemas, aceitam esse envolvimento. À partir disso, a dificuldade do um soma-se às dificuldades do outro, e o resultado dessa equação é um número ainda maior de dificuldades. Meus amigos me conhecem e sabem que não sou de me lamentar, tampouco de pedir ajuda, mas faço terapia e lá sim me lamento e aceito ajuda -- o terapeuta não é um outro que vai somar seus problemas aos dele, ele vai abster-se de envolvimento e ainda assim, com uma visão externa, encontrar ferramentas que façam-no resolver-se. Bem, ao menos assim a coisa deveria funcionar, mas o mercado de psicólogos não anda lá muito bem e às vezes as coisas acabam tomando outro rumo.
Por enxergar as coisas dessa forma -- não é um ponto de vista inato, é algo que desenvolvi -- eu respeito muito os problemas dos outros, não me envolvo com eles e tento fazer o máximo para que eu não envolva terceiros em meu problema. É claro que, como tudo que tange à existência humana, esse não é um mecanismo infalível: às vezes acabo envolvendo outro sem perceber, ou às vezes acabo criando problemas para o outro -- que para mim não seriam problemas -- não só sem perceber mas também sem intenção. O que percebo, todavia, é que reconhecer as coisas dessa forma faz com que ao longo do tempo você passe a controlar cada vez mais esse mecanismo danoso de deixar a dificuldade extrapolar o si, o que concluo por observação empírica percebendo que se há 5 anos atrás eu produzia muitas mágoas, hoje produzo bem menos.
Importante também é reconhecer a dificuldade como "mais uma" dificuldade: ela não foi a única que você mesmo já enfrentou, pode até ser diferente, mas como todas as outras ela pode sim ser superada. Não há portanto o que temer: há de se manter consciente, desprender-se da coisa e ater-se ao eu. Qual é o único elemento comum tanto à dificuldade quanto às superações? O eu. Ele portanto está acima de tudo, apesar de inserido em determinada circunstância. Atendo-se ao eu, por mais difícil que seja, qualquer dificuldade deixa de ser insolúvel e passa a ser só mais um elemento da história da vida. Óbvio que sei que isso não é fácil, ora, eu mesmo penso assim mas não consigo lidar com tudo dessa forma, mas ajuda muito pelo menos pensar nisso. Aliás, acho que o cerne de enfrentar as dificuldades está justamente nisso: abrir a mente para outros pensamentos. Quando você olha para o abismo, o abismo olha para você. Mas há várias outras coisas nas cercanias do abismo, e por mais que seja difícil, é legal olhar para todas elas. Levando ao absoluto, quando um problema assume sua máxima dimensão, eu penso da seguinte forma: isso já é fato, então porque não pensar em outras coisas também?
Mas tudo isso não passa de teoria, a prática é bem diferente. Eu só acho que a chave para tudo isso é nunca deixar de ter em mente que o problema não é parte do eu, e saber que tudo é passageiro (até a vida, afinal). Um dia o amanhã vai ser diferente, até o Sol varia de posição no céu com a passagem das horas. Se hoje está ruim, portanto, e não há como mudar, dormir é a melhor solução. O maior contraponto à dificuldade será sempre o dia seguinte.

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