Desconhecidos

Desconhecidos

            Isso tudo pode ser uma memória de um sonho, ou uma embriaguez prolongada das quatro doses de Black Label que tomei na noite de ontem. Não sei. Aprendi que não se pode confiar na própria sanidade: a mente racional está sempre preparada para pregar-lhe peças, o ID suprime o Superego e o Ego fica perdido à mercê dessa briga de titãs. De qualquer forma, narro o que me lembro e ainda me pergunto se é real ou não.


            Eu namorava com Izabela há sete anos. Sete anos perfeitos, diga-se: na cama, nos negócios, nas per si já era completo por conta dos meus sucessos. Ora, então porque mencionar o relacionamento? Porque o sucesso não completa por si só: todos os seres humanos precisam de amor para sua completude. Izabela portanto era fundamental em minha vida. Eu a amava, ela me amava e vivíamos assim essa parte da vida que corresponde a 50% da felicidade total que um ser humano pode atingir. Pelo menos até hoje eu achava que era isso. Não, minha vida profissional anda muito bem: estou ganhando bem, dá para pagar as contas e sobra ainda para dar-se pequenos luxos – como comprar uma garrafa de Black e tomar umas doses em plena quinta-feira. Mas o amor, é esse que me estranha sabe? Izabela exercia sobre mim uma atração irresistível por seu modo de falar, seus trejeitos e, é claro, sua beleza. Quando nos atracávamos na cama, a conjunção carnal era perfeita, os orgasmos intensos, os toques todos carregados de lascívia e transbordantes em libido.

idéias... Izabela me completava e eu mesmo

            Hoje de manhã desci do meu apartamento para ir à banca de jornais comprar um exemplar do Estadão. Ora, quem ainda vai à banca, porque não faz uma assinatura? Eu, eu ainda vou à banca, não por não achar uma assinatura mais confortável, mas pelo prazer de andar na rua do meu prédio até lá, cumprimentar o balconista, pedir o jornal e um maço do meu cigarro toda a manhã. Na volta parava na padaria, pedia um expresso e um pão na chapa, e começava o jornal pelo caderno de Economia para ver as falências, os balanços, enfim, tudo o que poderia influir na minha área profissional – o mercado financeiro. Já quando estava em meu apartamento voltava ao caderno principal para ler sobre variedades: de política até novidades científicas. Política não me interessava muito, há tempos já acredito que esse país não tem jeito, estamos sujeitos à ditadura dos meios de comunicação controlados por seus anunciantes, não há voto livre, nunca existiu, continua-se votando por cabresto. E se nessa conjuntura existisse um levante dos trabalhadores – como pregam os partidos de extrema esquerda – não haveria revolução, mas sim o Caos. O Estado já não consegue organizar o próprio Estado, que dirá os membros do Estado – os cidadãos, ou trabalhadores – organizando-se por si só? Não, não daria certo.

            Enfim, depois partia para o Caderno 2 para ver se tinha alguma coisa interessante no circuito cultural  da cidade, uma oportunidade de arejar a cabeça e sair com Izabela para algum lugar diferente. Izabela... Sempre tentava fazer com ela programas inusitados ainda que estivéssemos juntos há sete anos. Acho que o amor também trás essas coisas, um impulso ao novo, ao inusitado. O contrário é comodismo – perdoem-me os casais que vivem na mesmice – mas isso não é amor. Uma peça do Abujamra me chamou a atenção: Mephistofeles, baseado no personagem diabólico do romance de Goethe, O Fausto. Era um monólogo, e conhecendo Abujamra do programa “Provocações”, da rede Cultura, sabia que mesmo monologando ele nunca estaria falando só a si mesmo. Gostei da idéia de ir até lá.


            Peguei minha agenda – sim, ainda tinha agenda em papel, gosto de coisas palpáveis, ainda que o Google ofereça de graça “reminders” por sms sobre os compromissos – e anotei para passar no Centro Cultural Vergueiro e pegar dois ingressos para o espetáculo da próxima semana. Terminada a leitura desses três cadernos, tomei um banho, coloquei a camisa, calça social, dei o nó na gravata – acho incrível como algumas pessoas podem se enrolar dando nó de gravata, eu faço isso com rapidez e naturalidade, para mim
é a coisa mais simples do mundo das vestimentas, bem menos complicado que escolher combinações de roupas – e peguei o blazer que correspondia à calça que tinha escolhido. Devidamente fardado, fui para a corretora de ações que gerenciava há quatro anos, justamente fonte do pagamento que disse que dá e sobra para sobreviver. Os corretores ficam na loucura do pregão eletrônico como se ainda estivessem no salão da Bovespa gritando com um telefone para comprar e vender ações, a tensão impera no ar, mas eu sempre consigo me manter sereno – como se aquilo fosse tão somente um lago tranquilo como os do sul do Chile. Tinha que intervir nas transações que envolviam altos valores ou altos riscos, redigir boletim para todos eles sobre a tendência do mercado com base nas informações que colhi desde o jornal pela manhã até os sites que, agora sim, consultava na internet. Chegava lá às 8h30, o boletim tinha que estar pronto até no máximo 11h. Se o fizesse até às 10h, melhor, que era quando abria o pregão. Bom mesmo era quando eu conseguia informações privilegiadas que não tinham sido publicadas e repassasse isso aos corretores para que pudessem vender ou comprar as ações das empresas envolvidas antes de todo mundo – e quem lucrava com isso? Nós e nossos clientes. Não à toa somos considerados uma das melhores corretoras do país.

            Era sim um trabalho metódico mas eu gostava muito. Gosto, aliás. Minha vida equilibrava sempre a inusitabilidade com o metódico, tinha minha rotina matinal e profissional, agora, passou das seis meu amigo, é o mundão que manda. Pegava Izabela pelo braço – no sentido figurado, claro – e falava “vamos cair no mundo”. Hora uma peça de teatro, um pré-lançamento de filme em cinemas que eram clientes da corretora e eu recebia os convites, ou até mesmo botecos da Vila Madalena. Fazia questão de fazer sempre coisas diferentes durante a noite, para que no dia seguinte me sentisse confortável em fazer o mesmo de sempre. Essa é a visão aliás que tenho de uma vida equilibrada: não é ser metódico o tempo todo, é equilibrar a mesmice e o novo. É óbvio que nem sempre tudo estava bem: rolava uma briga ou outra com Izabela, um problema no trabalho, uma breve crise existencial... Mas eu sempre tinha em mente: isso passa. E é claro, existiam – os piores para mim – os momentos de hiato, onde nada acontecia, nada era novo “debaixo do sol” como diz o Eclesiastes. Nessas horas sim eu tinha que controlar meu tédio, e qual o melhor remédio para isso se não um bom uísque cowboy – porque tomar uísque com gelo não mostra tão somente que não se sabe beber, mas que não se tem um paladar apurado.

            Saí do trabalho e liguei para Izabela:

            -- Vou passar no centro cultural para pegar dois ingressos para um espetáculo muito legal de semana que vem – ela confiava no meu gosto, nem precisava falar do que se tratava – quer ir comigo e fazer alguma coisa depois?

            -- Hoje não dá meu amor estou presa aqui com alguns projetos que ainda não terminei, amanhã a gente sai tá?

            -- Tudo bem.

            Eu preferia passar as noites com ela que sem ela, já que sozinho as chances de hiato eram ainda maiores e o leitor já percebeu que eu tenho pavor ao hiato. Fui ao centro cultural, peguei os ingressos, voltei para as cercanias de meu prédio e lá parei em um boteco para beber – dessa vez não um destilado de malte, mas um fermentado de cevada:

            -- Me vê uma Original por favor!

            Sim, eu também frequentava bares sozinho de vez em quando e não via nenhum mal nisso. Eu e eu conversávamos bastante. Não ia para olhar mulheres, até porque estava muito bem servido nesse sentido. Às vezes no balcão – e sozinho invariavelmente eu ficava no balcão – acabava aparecendo alguém ao lado para conversar. Nessas situações não dá para ser muito seletivo, mas a cerveja pelo menos nos deixa mais simpático: se o fulano puxasse papo sobre política eu embarcava no assunto, se falasse sobre música, melhor, eu passava a dialogar com prazer. Uma vez conheci um ex-pastor evangélico que abandonou a vida presbítera para virar espírita e casar-se com outro homem: conversamos sobre homossexualidade na sociedade, a visão do gay não como uma “preferencia” ou “opção” sexual, mas sim como natureza sexual. Senti que ele não era muito bem resolvido nesse assunto mas não me aprofundei: problema dele. Eu já tenho coisa demais a pensar que me envolver em problemas dos outros – e nisso caro leitor há de se ser muito cuidadoso, porque uma palavra a mais pode dar margem a uma sessão de desabafo, as opiniões precisam ser emitidas mas sem dar margem para nada além do debate sobre elas, e não sobre como o indivíduo era mal resolvido com isso. Está aí outra coisa que abomino, aliás, que passei a abominar ao longo dos anos: desabafos.

            Quando o torpor da cerveja chegou ao limite em que viraria bebedeira, voltei para casa, tomei uma dose do meu bom e velho uísque e apaguei em seguida. Acordei no dia seguinte com ânimo em excesso, sabe-se lá porquê, e é claro que uma leve dor de cabeça por conta do álcool de ontem – mas já tinha me acostumado a viver com isso, o prazer e seus preços. A rotina foi a mesma: banca, padaria, casa, as mesmas leituras. Escritório, boletim pronto às 10h em ponto. Duas transações que passaram de R$500 mil e eu tive que autorizar. Final do dia, fechamento de balancete e estava acabado. Sabia que tinha alguma coisa a fazer naquela noite, mas não me lembrava o que. Voltei ao mesmo bar da noite anterior.

            -- Uma Original por favor! – não sei porque os garçons que me conheciam esperavam ainda pelo meu pedido se era sempre o mesmo, seria muito mais cômodo sentar no balcão e já ser servido.

            Depois da primeira garrafa, sentou-se ao meu lado direito um velhinho barbudo que puxou papo, e apresentou-se: Carlos Marx. Mostrou o RG para comprovar o nome, de tão inusitado que era. Disse que foi um dos fundadores do Partido Comunista no Brasil mas que hoje sua vida era boteco e boceta. Engraçado um velhinho daqueles falando “boceta”. 

            -- Eu adoro mulher, passei a acreditar em Deus por causa de mulher – ele disse – quem mais poderia esculpir coisas tão belas? Você há de concordar comigo que não existe nada melhor que mulher, nada mais belo, nenhuma beleza natural se compara.

            -- É verdade – falei sem muita convicção, lembrando-me das cataratas do Iguaçu ou do lago em Pucon no Chile: belezas naturais fantásticas, pareciam esculpidas de fato, se eram por Deus ou não, não tinha opinião formada.

            -- Você olha para mim, me vê de barba, cabelo branco, e pensa que o velho não funciona mais? Meu amigo – nossa já viramos amigos – vou te ensinar uma coisa, a velhice não está associada ao fim da boemia e das mulheres. Tem muita mulher que gosta de um velhão! [nota do autor: esse diálogo é excerto de um diálogo real e foi relatado ipsis litera]

            Eu ri e continuamos conversando por um bom tempo – acho que durante umas duas garrafas a mais de Original. Sentou-se em meu lado esquerdo uma mulher: bonita, vestida casualmente, não parecia ser alguém que foi ao boteco afogar as mágoas mas alguém como eu, que simplesmente estava extravasando depois de um dia metódico.

            -- Uma Original por favor – ela pediu.

            -- Pode tomar comigo se quiser – me ofereci, e empurrei-lhe a garrafa.

           -- Não não, obrigada mesmo, mas se bebermos juntos eu perco as contas do quanto estou bebendo, não posso.

            -- Como preferir.

            Ela não foi antipática e eu também não tive a intenção de dar em cima dela quando empurrei-lhe a cerveja, foi pura simpatia mesmo. Sabia que esses contatos em balcão de bar sempre eram interessantes, então por isso tinha tomado aquela iniciativa – mas não iria invadir o espaço dela. Eu estava muito bem resolvido quanto a estar solteiro, não saía com a intenção de conhecer mulheres, sabia que se isso fosse acontecer seria não necessariamente em um bar. Quando chegou a cerveja dela, ela virou e apresentou-se:

            -- A propósito, meu nome é Izabela.

            -- Prazer, sou o Lucas! – respondi com a mesma simpatia.

            As emoções, todavia, estão sempre fora do controle da razão, como no arcano da carruagem do Tarot, onde um carroceiro guia uma carroça com dois cavalos que tendem a ir na direção oposta se ele não controla-los direito. É óbvio então que à partir do momento em que uma mulher belíssima puxa papo com você, impossível que não surja algum interesse.

            -- Também gosta de beber sozinha no balcão?

            -- Muito de vez em quando, mas ontem fiquei trabalhando até tarde em uns projetos e não tinha nada para fazer hoje, resolvi sair para arejar a cabeça, sozinha mesmo. Mas se tem alguém no balcão para animar a noite, porque não conversar? Sempre são coisas novas.

            Ela compartilhava comigo o gosto pelo inusitado e estava no bar pelo mesmo motivo que eu – só variava comigo no “muito de vez em quando”, porque eu já ia no bar com certa frequência.

            -- É, meu trabalho de vez em quando me cansa demais e venho para cá também. Só que acho que canso mais que você, porque eu não venho só muito de vez em quando – usei o gancho da fala dela e ela riu.

            -- Ah, vou dizer, adoro meu trabalho sabe, para eu me cansar dele só se é um volume muito grande mesmo de coisas para fazer. Ontem eu já estava por aqui – e colocou o dedo indicador sinalizando como um corte na testa.

            -- É, eu também gosto muito do meu trabalho, mas não sou como você: no final do dia estou sempre cansado.

            Izabela... Bonito nome... Continuamos conversando mas eu não estava muito à par do que estávamos falando: concentrei-me em seu nome... Izabela... Me remetia à algo mas não me lembrava o que, será que alguma cliente, corretora que já tivesse passado pela empresa?

            -- Nisso eu acho uma idiotice a idéia dos bicicletarios do Metrô sabe?

            Essa última fala dela me trouxe de volta à conversa, afinal, tinha que pensar agora para entrar em um debate construtivo.

            -- É, São Paulo é uma cidade completamente despreparada para bicicletas.

            -- Isso, o que acabei de falar! – nossa e eu nem tinha prestado atenção, tamanho meus devaneios com o nome dela.

            -- O cara vai pegar a bicicleta e vai até onde – tentei falar algo que supunha não ter sido abordado ainda – vai pegar a marginal?

            -- Pois é, é loucura, o que precisa mesmo é um planejamento urbano para bicicletas que envolva faixas exclusivas, incentivo, educação...

            -- Com toda certeza!

Até que a conversa estava interessante mas nesse ponto eu já não conseguia mais desprender meus pensamentos de como ela era linda. Olhava bem no fundo dos olhos castanhos dela só para impressionar-me com sua vivacidade, e a cada sorriso que ela dava eu tinha quase que minutos de êxtase. É como disse um velho jornalista que conheço, dado também a filosofar: “Engana-se quem pensa que a beleza da mulher está no corpo. O que não quer dizer que não há corpos lindos. Mas os corpos, evidentemente, não se prestam à contemplação (despretensiosa, eu diria). O corpo é de tal maneira imanente que, exceto para uns poucos artistas plásticos, o corpo exige a cópula, isto é, o ato, a ação, na qual há prazer e – talvez – entrega e amor, mas não beleza.

Era inteligente? Sem dúvidas, ao menos parecia, não dá para determinar isso em uma única conversa. Mas sua beleza, essa meu caro leitor, poderia definir como convidativa.

-- Mas nenhum político vai fazer isso, o lobby das automobilísticas sobre o governo é bem maior, é forte desde a ditadura – agora raciocinei um pouco para elaborar a fala – sabe aquela fase dos 50 anos em 5 do JK?

Tudo bancado pelo dinheiro das montadoras, e até hoje por exemplo os trens continuam sucateados ou desativados por causa das estradas de automóveis. Sabe que em outros países, até na Índia, o transporte por trem corresponde a mais de 50% de todos os meios oferecidos, enquanto no Brasil não chega a 5%? Mas existem trilhos, se quisessem botar pra funcionar, o custo nem seria tanto.

-- É, bicicletas não são interessantes para montadoras. Estamos vivendo em uma época em que o cara entra em uma concessionária sem um real no bolso e sai de lá com um carro novo para pagar a entrada no ano seguinte. Muitas famílias tem mais de um carro. A cidade não comporta mais carros mas ainda assim a gente vê anúncio da Renault dizendo que a cada três minutos um novo carro deles é comprado.

-- E olha, eleger a Soninha não vai adiantar, porque os políticos sempre falam uma coisa mas na hora H, fazem outra – já fui um pouco mais cético e corri o risco de gerar discórdia.

-- Sabe, provavelmente eu vou votar nela, sabendo inclusive que é uma grande possibilidade você estar certo. Ainda assim, só por ser a única que apresenta esse pensamento, é em quem vou votar. Mas nós dois, eu aposto, temos a mesma certeza: não é ela que vai ser eleita.

-- Pois é, esse nosso país está como os Estados Unidos, Democratas ou Republicanos, aqui é PT com PC do B e PSDB com o DEM.

-- Isso, a campanha forte é a deles, é difícil pensar que alguém de outro partido vá ser eleito, é só ver as pesquisas, menos de 1% das pessoas em São Paulo tem outra intenção de voto que não nesses candidatos mais “badalados”.

-- É verdade.

O papo enviesou-se para política de vez, mas eu até que não fiquei contrariado, ela tinha idéias boas. Por um instante me distraí da sua beleza e comecei a prestar mais atenção na conversa em si, e vi que seus pensamentos eram fascinantes. Um conjunto perfeito: beleza, inteligência e boas idéias.

-- Solteira, e você?

É, eu interrompi o papo e levei-o para o lado pessoal, mas estava tão absorto que nem percebi como fiz isso.

-- Solteiro também.

-- Mas eu estou muito bem resolvida com isso – ei Izabela, essa fala é minha!

-- Eu também, não sou daqueles desesperados, tipo “solteiro procura”, sou mais um “solteiro mente aberta”.
-- Pois é, eu sou assim mesmo também.

Em seguida começamos a falar de relacionamentos. Não tinha muito a falar, nos últimos anos só tive envolvimentos breves que não duraram mais de três meses. Ela já tinha passado por um namoro de 5 anos com um homem que chamou de “ditador”: opinava sobre as roupas que vestia, os lugares onde ia, vestidos curtos, as coisas que fazia na vida. Quando terminou esse relacionamento, mais que tristeza, ela sentiu-se aliviada e ele depois de um tempo cruzou dois oceanos sem promessa de voltar.

-- Então, a minha vida amorosa não é lá muito agitada sabe, até porque eu trabalho bastante – fui sincero.

-- É, eu depois desse relacionamento de 5 anos confesso que não tive mais vontade de namorar mais ninguém. Desde então estou solteira, mas é claro que estar solteiro não necessariamente quer dizer está sozinho.

-- Tem razão, eu estou solteiro há anos mas não fiquei muito tempo sozinho nesses períodos.

-- Ah, eu acho que nós temos pensamentos parecidos quanto a isso, essa coisa descompromissada, só passamos por experiências diferentes para chegar à mesma opinião.

De fato pensávamos parecido. Izabela foi simpática o tempo todo e acabamos bebendo 5 cervejas juntos. Eu apesar do meu interesse ative-me a conversas casuais, não dei nenhuma investida. Realmente sou o “solteiro com mente aberta”: não forço a situação, o que terá que ser será. Eu já estava no limite entre o torpor e a embriagues e ela também sinalizava já não estar muito no torpor, já ter caído na bebedeira.

-- Olha, eu bebi demais, foi muito bom conversar com você, acho que precisamos conversar mais. Vamos trocar os telefones.

Eu coloquei meu smartphone em cima da mesa e disse:

-- Eu troco com você, mas o seu precisa de acesso à internet e e-mails!

-- Bobo! Anota aí...

Trocamos telefones e decidi ir embora com ela. Pagamos a conta e saímos juntos do bar.

-- Eu vou pegar um taxi logo ali.

-- Te levo até o ponto...

Acompanhei-a até o ponto de taxi e na despedida ela me deu um beijo exatamente entre a bochecha e a boca:

-- Foi um prazer mesmo te conhecer. Quem ligar primeiro tem o direito de escolher o próximo lugar, ok?

            “Que proposta criativa”, pensei.

            -- Ok Izabela, feito. Nos falamos amanhã, e se eu tiver uma idéia genial de lugar vou te ligar meia noite e um – frisei o um – para sair na dianteira nessa aposta.

            -- Está certo.

            O taxi saiu e eu fui para o meu apartamento percebendo que tinha sim ultrapassado os limites e estava embriagado. “Bem”, pensei, “espero que isso não cause uma amnésia alcoólica, preciso sair de novo com aquela mulher”. Peguei um post-it, escrevi e preguei na tela do computador:

            “Procurar no caderno 2 programa ir Izabela” e seu telefone logo embaixo, para ter certeza dedeja vus, o cérebro dá uma espécie de blackout e cria uma falsa memória sobre uma pessoa, fato ou situação à partir do momento presente que eu lembraria de tudo e faria tudo certo no dia seguinte. Deitei-me na cama e fiquei pensando em como são engraçados esses acasos, “coincidências significativas” como diria o Jung, pessoas se conhecerem e perceberem afinidades nos lugares mais variados. Um dia sua vida está sem alguém, no outro entra alguém que pode mudar tudo. Seria legal sair com Izabela de novo, quem sabe não seria uma amizade que levaria a um envolvimento amoroso? Afinal, pra mim, 50% da felicidade plena é o amor. Achei estranho quando deitei na cama que de repente a figura de Izabela me pareceu mais conhecida que eu tinha sentido até então – e por isso narro a ti, leitor, na ordem dos fatos, o que me levou à confusão. Mas conheço o mecanismo de funcionamento dos  dos deja vus, o cérebro dá uma espécie de blackout e cria uma falsa memória sobre uma pessoa, fato ou situação à partir do momento presente.


            Ah, que mulher interessante essa Izabela! Viciante...

1 comentários:

Unknown disse...

Uau... que texto. Cheguei aqui sem querer e não queria mais sair...Parabéns pelas palavras, pela forma como escreve e pelo jeito que me deixou presa a ele...Agora, vou "curiar" os outros e me perder um pouquinho mais....

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