O caminho contrário da inocência

"A vida corresponde a um processo continuo e sucessivo de rituais de passagem"
(in: Os rituais de passagem segundo adolescentes)

Demorei algum tempo para perder a minha virgindade. Se encarar essa frase da forma convencionada em nossa sociedade e me conhecer um pouco enquanto indivíduo, talvez pareça meio estranho ver essas
palavras proferidas por mim aos 25 anos de minha vida. Quem me conhece bem, certamente deu uma gargalhada antes de chegar ao segundo ponto final deste parágrafo.
Clamo todavia por uma derivação por extensão do sentido da palavra virgem, significado para o qual costuma-se usar o vocábulo "virginal". Convido por alguns instantes a entender a palavra "virgem" como "casto, puro, imaculado, inocente". Posto isso, explico o porquê da afirmação com a qual iniciei esse texto.
Refleti esses dias sobre o quanto algumas experiências que passei me fizeram ser um homem diferente se comparado com outrora. Muitas dessas vivências foram oriundas de clímax prazeirosos que superam -- mas incluem -- os limites do sexo, e no limite me levaram a ser obrigado a interromper alguns hábitos por falta de opção ou por insights de lucidez. Independente disso, hoje posso olhar com certo ceticismo para algumas situações que outrora me enebriavam, sabendo que o curso dos acontecimentos apesar de trazer extrema satisfação, na verdade maculam tanto o caráter que impede que quem as viva possa ter algum prazer real e passe a ter uma constante insatisfação e uma busca infinita por um prazer impossível de ser alcançado.

Em matéria de sexo, por exemplo, posso dizer que as orgias e outras fantasias são muito divertidas e com certeza prazeirosas, até que percebe-se que o trivial não trás mais prazer, e que o tão almejado "amor" fica cada vez mais distante no irreal mundo das idéias que não materializam-se no imperfeito mundo dos fenômenos. Ainda nesse prisma, lembro-me de pelo menos três parceiras que eram ótimas no quesito química, mas cujo caráter valia tão pouco que acabaram por baixar o preço do meu próprio caráter.
Outros prazeres, inenarráveis, químicos, "naturais", que nos embriagam com nossa própria dopamina, endorfina, serotonina, também custam caro demais quando percebe-se que o cérebro já está com alguma deficiência para suprir o desejo artificialmente aumentado desses hormônios.
Há também a satisfação de jogar um cartão Platinum em uma mesa cuja conta poderia pagar as compras de três meses de uma família do Norte do país. Gastar sem olhar o extrato, comprar coisas inúteis, beber R$600 em cachaça e tequila em 4 horas... É muito bom! No dia seguinte, volta a vontade de gastar.
Penso que são as experiências que definem o caráter. Para serem de fato experiências, elas precisam ter sido vividas, mas tão importante quanto isso, elas precisam ter passado e ter deixado marcas. Eu particularmente me sinto um tanto marcado. Quase morri -- duas vezes. Hoje não posso mais correr, meu joelho não me permite. Meus pulmões continuam sendo os mesmos que quase me mataram em 2003. Há alguns dias, tive que tomar cortizona para deter uma crise asmática logo no início.
As experiência que nos tiram a inocência -- ou a virgindade -- podem nos tornar pessoas melhores ou deixar-nos como escravos para sempre. Também podem nos matar -- ou quase isso. Independente de tudo, creio que só com essas malditas experiências que se aprende o que fazer -- e o principal, o que não fazer -- para conduzir o curso da própria vida.
E eu não acredito em conselhos. Quem fica rico enlatando os conselhos e publicando-os na seção de auto-ajuda só está vendendo a ilusão de que não é necessário conhecer realmente para se viver. Alguns contentam-se com isso. Outros, como eu, preferem enfiar a cara no mundo, mesmo que isso resulte em quebrar a cara seguidamente.
Só precisei enfiar a mão no fogo uma vez para aprender que ele queima. Não fossem incontáveis as possibilidades de se quebrar a cara, eu poderia acreditar que nunca mais irei errar novamente. É a regra à qual estamos todos fadados: estar vivo implica em viver.
Ao menos, não sou mais virgem. Será?

1 comentários:

Anônimo disse...

Começando de baixo para cima... é inacreditável, mas sempre consegimos quebrar a cara mais uma vez...

É muito difícil falar ou escrever sobre o valor de cada idéia... julgar carater... eu ultimamento parto do principio que uma ação gera uma reação...

Quero mesmo aprender a não me preocupar demais... afinal as coisas sempre serão como são...

Obs: Eu não dei risada!!!!

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