Alvorecer Cinza

Chegar às sete da manhã no banco é engraçado. Trabalho num prédio com cerca de 3 ou 4 mil funcionários, mas imagino que nem 20% destes estejam aqui quando entro no elevador a essa hora. Numa tendência contrária ao tradicional mau humor paulistano, a essa hora, todas as "topadas" no elevador e nas escadas resultam em tímidos ou efusivos "bom dias" ou cumprimentos dos mais diversos. Eu, mesmo a contragosto, respeito a tradição. Se chego às 11, não o faço: subo apressado, dou "oi" só para as ascensoristas e um "bom dia" global para quem ouvir quando chego no meu setor.
Estava agora fumando um cigarro na varandinha do 11o. andar, olhando para a Av. São João, da vista privilegiada que temos daqui. Não troco São Paulo por nenhuma outra cidade que conheci, é verdade. Mas essa coisa toda parece um grande teatro... Quantos filósofos, historiadores, cientistas sociais, físicos, matemáticos, estão travestidos de bancários? Já vi por aqui até veterinários, odontologistas, médicos... Gente que parece gritar -- em silêncio -- por detrás de suas baias (quer nome melhor para o espaço de trabalho?), sentindo-se enforcado por suas gravatas, criando para si as mais diversas desculpas para aceitar esse "personagem" e as mais diversas humilhações inerentes a ele (eu incluso no grupo).
Alguns fazem faculdade para ser personagens. Hoje as universidades já preparam para isso. Outros fogem achando que negando tudo conseguirão a libertação (do sânscrito "moksha"), e criam comunidades alternativas, baboseiras new age, misturebas envolvendo toques de espiritismo com hinduísmo, budismo, um pouquinho de karatê e grego. É só adicionar "tantra" no nome, cobrar mais que 5 mil, publicar um anúncio na revista Nova e pronto: livram a consciência dos personagens do parágrafo anterior, fazendo com que eles se tornem personagens desse parágrafo. É uma troca justa, eles pagaram afinal.
Mas não. Nem a gravata apertada e nem a baboseira new age me satisfaz. Prefiro a gravata com laço largo e o Hatha Yoga. Ainda assim, sinto que existe algo que se desespera quando coloca esse crachá e tem de se fingir de cidadão do mundo corporativo, o que nunca vai deixar de ser fingimento porque, afinal, nesse mundo ninguém tem a cidadania, só o visto provisório: se cansar das aparências -- ou se alguém se cansar da sua, seu passe é revogado. Simples assim.
Apenas mais um desabafo, direto da baia. Agora é hora de calar a boca e voltar a trabalhar.

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