Carta Aberta aos Jogadores e Equipe Ikariam.br

UPDATE: Reflexões sobre a derrubada do GA 

Para os Desconhecedores

Visto tratar-se de um jogo, preferi não abordar o assunto no blog anteriormente. Costumo falar aqui, afinal, sobre coisas "paupáveis" como Descartes, paixões e bailes de máscaras. Convencido, todavia, que a reunião de pessoas -- virtual ou não -- é tão real quanto qualquer outra coisa, e sendo os outros espaços convenientemente censurados pelos seus mantenedores, posto aqui uma breve, sincera e modesta opinião sobre o que vivenciei na Equipe de Jogo do Ikariam.br, bem como o que motivou minha saída desse grupo e, sobretudo, me faz crer cada vez mais que foi uma decisão acertada e, sobretudo, definitiva.
Dada a natureza pública desse comentário, algumas explicações fazem-se necessárias. Em primeiro lugar, não farei maiores delongas para quem não conhece o jogo e, portanto, não conseguirá compreender as terminologias específicas. É pena. Se quiser conhecer, clique aqui, e faça por sua conta e risco. Eu mesmo não tenho mais paciência para jogar. É mais divertido que perder tempo em rede social, FarmVille e outros jogos, porém menos que Poker. Minha opinião. Calei-me antes sobre isso em respeito àqueles que me receberam na Equipe e em nome de uma "ética" que, com a "saída" sumária justamente de quem foi o meu maior tutor e mestre, vi que não existe. Então, resolvi falar.

Introdução: O que é a Equipe?

Partamos, pois, para o próximo ponto. A meu ver, existem três "áreas" fundamentais no jogo: a estratégia -- o jogo em si, seja a guerra ou a "construção de casinha", a diplomacia -- gestão de pessoas ou relacionamentos, e a gestão do próprio jogo, ou seja, a Equipe. Creio ser importante entender dessa forma para não cair em falácias acerca das funções desempenhadas por esse último grupo: ser parte da Equipe também é jogo, afinal, "trabalho voluntário" é aquele que se faz pelo bem comum e ninguém lucra com isso, o que não é o caso -- já que a Gameforge lucra bastante com os diversos jogos online espalhados pelo mundo e certamente lucraria bem menos se tivesse que contratar funcionários para fazer o que os "membros da Equipe" fazem em troca de status e diversão.
É da natureza humana se reunir em comunidade. O linguista e ex-reitor da Unicamp Carlos Vogt diz que "o homem tem duas características que o diferem das demais espécies animais: a linguagem e viver em sociedade". Da reunião, advém os problemas de relacionamento comuns aos grupos e pessoas. Neste grupamento específico temos duas características que definem a dinâmica dos relacionamentos interpessoais: ao mesmo tempo em que as pessoas estão reunidas para "jogar", como hobby, para se divertir, elas estão colocando uma engrenagem para funcionar, ou seja, estão "trabalhando" como "lazer", o que implica submeter-se a uma hierarquia que imita padrões até mesmo mercadológicos, exercer funções de gestão, dar e receber ordens, ter tarefas a cumprir, metas e responsabilidades.
Ao mesmo tempo, portanto, em que fazer parte desse grupo pode ser muito prazeroso, dependendo da forma que essa relação for conduzida -- tanto pelo próprio integrante quanto pelos seus gestores -- isso pode tornar-se uma relação tão conturbada quanto as relações que existem hoje dentro das grandes empresas.

Equipe: Jogo, Humilhação e Poder.

Fui admitido na Equipe em meados do ano passado, subordinado ao Fuchs, hoje um grande amigo de carne e osso, com quem tomo cerveja quase toda semana. O engraçado de conhecer as pessoas nesses ambientes virtuais é acostumar-se a chamá-las por um nickname, e por ironia, meu nickname é meu próprio nome. Não vou me perder em elocubrações filosóficas sobre isso. Talvez pela experiência profissional (off-game) desse meu amigo, aprendi de imediato com ele que a natureza da função da Equipe não é ter um status diferenciado diante do grupo de jogadores, mas sim, manter a engrenagem funcionando de forma imparcial e coerente. Dar tratamento igual para todos. Logo, o administrador veio reforçar tal posição, mostrando que muitas vezes, por mais que eu ficasse tocado e emocionado com as histórias contadas, rever a posição para um e não para outro seria injusto com todos. Uma lição para a vida.
Naquela época, esse posicionamento era claro para todos, ou ao menos parecia. Logo de cara aprendi que existem dois tipos de "possíveis" membros para a Equipe de Jogo: os que querem "jogar" a gestão, ou seja, abster-se de participar daquilo que chamei na introdução de "jogo em si" (pelo menos durante o exercício da função ou, no caso dos melhores membros que conheci da Equipe, que abstem-se por completo), e os que querem utilizar-se da Equipe enquanto estratégia para o jogo e para a diplomacia, incluindo aí infelizmente um ou dois atuais amigos meus.
Na época, existia ainda um incipiente e terceiro grupo que foi ganhando força com o tempo: pessoas que, dentre os membros da Equipe, queriam ganhar posições hierárquicas, de forma a "gerir" subordinados. Coloco "gerir" entre aspas porque a palavra correta é "mandar". Esse grupo é uma mescla da frustração somada do primeiro e do segundo grupo, somada ao esquecimento da premissa fundamental de que a Equipe funciona tão somente para auxiliar os jogadores e trabalhar tão somente para que o jogo funcione para eles. Explico.
Muitos membros da Equipe, ao invés de dar suporte, simplesmente maltratavam jogadores. Faziam-no porque podiam. Simples assim. Uma vez na Equipe, passavam a usar do "status" e do "poder" -- ou seja, ao invés de fazer funcionar a engrenagem, utilizavam-se de suas posições para influenciar o jogo, mesmo que não em benefício do próprio jogo, mas em benefício de seus próprios egos. Jogavam com as pessoas, num jogo onde humilhar pontuava mais. Isso não estava claro para mim até que um GO pediu para sair da Equipe e, quando indaguei-lhe o porquê, visto que era um excelente Operador, não só tecnicamente falando, ele esclareceu em um longo e-mail exatamente o que expus acima e disse que não foi para isso que ele candidatou-se a GO. Na época, não entendi direito e comecei uma "caça às bruxas" por GOs que estivessem tratando mal os jogadores, reorientando, achando que aquilo iria mudar alguma coisa. Agora entendo melhor o que ele quis dizer. A coisa era bem maior que aquilo.

O que se tornou a Equipe (e porquê).

Uma hora, os oprimidos não tem mais como gritar. Os mecanismos de censura no fórum já estão bem consolidados, moderadores foram bem treinados de forma a não contestar e achar que qualquer crítica deva ser imediatamente apagada e o autor, escarneado nos canais internos. Já não pensam mais. As dúvidas precisam ser tiradas uma a uma em um canal restrito pois, se tiradas no canal aberto, as respostas podem acabar sendo criticadas e aí, toda a comunidade virá abaixo. Os canais que antes eram de debate, hoje estão mudos. Só se admitem elogios e falácias.
Volto então ao ponto do "terceiro grupo". Uma vez que temos a massa dominada, já não há mais  como canalizar essa necessidade frustrada de exercer poder para cima dos jogadores. Veja: a frustração ainda existe, a necessidade ainda existe, a motivação errada para o jogo ainda está lá, mas não há onde descarregá-la. É aí que começa a fase que se vê hoje na Equipe e que motivou a minha saída e de outros membros que, se antes já se engasgavam com algumas coisas, agora não tiveram estômago para aguentar essa transformação.
Partindo do princípio de que não existem trabalhos remunerados, as funções de cada um são meras atribuições e servem simplesmente para manter a engrenagem funcionando, certo? Naturalmente, uma equipe precisa de um gestor, que distribui/delega funções para sub-gestores que, naturalmente, vai gerir pessoas que vão operacionalizar essas tarefas. A coisa é essa. Pura e simples. Sem diferença salarial, não há porque ambicionar um cargo de gestão se o indivíduo é melhor em uma função operacional e vice-versa. Tanto os operadores quanto os gestores deveriam ver isso. Infelizmente, não é o que ocorre.
Comecei a considerar minha saída quando vi a admissão de um "superior" que tratava (e trata) os membros da sua equipe como lixo. Não que lhe falte competência, falta é maturidade e tato para lidar com pessoas. Mas essa análise não cabe a mim e por isso mesmo não tratei o assunto com ele, preferi me omitir. Saí da Equipe porque julguei que o talento de dois de meus Operadores para gestão estavam sendo desprezados e seus esforços "voluntários" estavam sendo subjulgados em detrimento de outro que, a meu ver, não tinha tanto mérito quanto eles. Era meu ponto de vista e eu sabia que eu podia estar errado. Foi a gota d'água. Na ocasião, proferi que estavam pouco se importando com as pessoas -- tanto com o episódio dos Operadores que não foram promovidos apesar da dedicação de quase um ano, quanto diante da omissão em face do gestor que trata seus subordinados como lixo. Achei que fosse um problema dos gestores envolvidos, mas hoje vejo que é endêmico.
Os próprios gestores não perceberam -- e não é culpa deles, hoje vejo, mas a Equipe foi tomada por essa "sede" de poder que fez com que os que antes eram amigos, hoje fiquem à espreita esperando para puxar o tapete alheio. As pessoas na "base" da pirâmide pressionam-se entre si e aos gestores por conta disso. Alguns gestores tiram o couro de quem operacionaliza as coisas pelo simples prazer de tirar o couro. Os gestores bons ficam perdidos aí no meio, hora tomando decisões acertadas, hora norteando-se por decisões dos que tem "sede" de tirar o couro. Um grande amigo meu, ao invés de compartilhar comigo a revolta acerca da "saída" do Bio, imediatamente perguntou-me "será que isso significa que vai subir outro GA?". Isso mostra que a contaminação é geral. Os que antes eram amigos, com o tempo, vão se esquecendo disso.

Considerações Finais.

A essa altura, não se tire conclusões precipitadas e escusas. Percebamos que esse é um movimento que surgiu na "base" da pirâmide e contaminou todos os níveis, ou seja, esta carta não está culpando os "supers+" da Equipe pelo que está acontecendo (ao menos não todos, só aqueles que se utilizam de seus títulos para suprir suas frustrações pessoais em outros campos da vida).
Mudanças são necessárias, mas duvido que aconteçam. Uma reflexão, todavia, é possível. Pode começar com algumas perguntas. Por que é que tanta censura começou a ser necessária? Por que é que os canais de comunicação tiveram de ser moderados e acabaram por ser silenciados? Por que é que a comunicação entre jogador e Operador teve de passar a ser monitorada? Por que é que as dúvidas passaram a ser tiradas em privado?
Em nome de boas intenções e em nome da ordem, Estados ditatoriais foram construídos e só depois de sua ruína veio à tona a podridão e a miséria que escondiam sob suas cortinas de ferro. Até que ponto as pessoas vão submeter-se a isso em troca de "diversão"? E, sobretudo, até quando irão pagar por isso?

UPDATE: Reflexões sobre a derrubada do GA

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