Velhos Conhecidos

Destoando um pouco dos tradicionais "posts" do blog, relato-lhes uma breve e verossímil crônica que pensei não mais ser possível passar-se em uma metrópole como São Paulo. Talvez mais possível em ruelas de Ouro Preto, mas com detalhes faltantes que a tornariam inviável naquele cenário.
Passou-se na noite de ontem. O metrô fecha à meia noite e pouquinho, mas garante a baldeação -- sabe-se lá a explicação desse vocábulo -- entre as linhas só até essa hora. Os bancos fecham às dez. Os horários por si já evidenciam que o trabalhador dependente de caixa eletrônico e transporte público, aquele que recebe salário em conta e levanta pontualmente para trabalhar, deve ter hora para chegar em casa, sem atrasar-se. Para a diversão, reserva-se o final de semana, quando o metrô extendeu o horário de funcionamento até à uma da matina. Confirmam-se portanto as teses marxistas: depois da labuta, cama. Diversão, só de final de semana. Eu estava, portanto, contrariando esta regula máxima.
Citei o banco e o metrô porquê os ponteiros marcavam meia noite em ponto, meus bolsos continham uma nota de dois reais, uma moeda de vinte e cinco centavos e outra de cinco e um bilhete único com sessenta centavos, leia-se, inútil. As bilheterias do metrô, públicas, ficam abertas depois da meia noite. As que recarregam o bilhete único, privadas -- tais quais as companhias energéticas, telefônicas e vasos sanitários -- cerram-se invariavelmente à meia noite. Voltei, pensando ter encontrado um amigo de relance para pedir-lhe dez centavos emprestados e comprar o raio do bilhete do metrô, que custa dez centavos a mais que o ônibus, R$2,40.
O tal do amigo, que me cumprimentara alguns segundos antes, desapareceu. Quando eu ia subindo as escadas rolantes, já com o celular na mão pensando em acionar algum conhecido para pedir um leito ou, em último caso, dormir no apartamento recém-pintado em meio aos pincéis de tinta e restos de jornais espalhados pela casa, um rosto conhecido me cumprimenta, chamando pelo meu nome. Não me lembro bem, mas tinha alguma convicção de que o conhecia.
Relato-lhe que estava preso na Estação República, por uma incompatibilidade de horários e cálculos. Ele se oferece de pronto em pagar minha passagem. Extremamente grato, começo a conversar com ele, e pegamos o mesmo trem: eu iria descer na Sé, ele na Guilhermina-Esperança. Forço a memória, mas o máximo que consigo lembrar é que ele tem alguma relação com o banco. Gerente de Contas conhece muita gente, mas é mais conhecido que conhece alguém.
A certa altura da conversa, quando eu estava quase a desembarcar, ele me pergunta:
-- Você se lembra de mim?
Devo ter enrubecido, a esta altura. Ele percebeu. Tirou um bolo de cartões de visita do bolso, selecionou um, e me entregou.
-- Sou o João, gerente do Ponto Chic do Paisandú.
O mesmo gerente da mesma lanchonete que fui umas oito vezes, que sempre foi cordial comigo mas nunca pensei que se recordasse de mim. Chamou-me pelo meu nome, pagou minha passagem, lembrou-se de onde eu trabalhava e fez votos de que eu chegasse bem em casa. Que posso eu dizer? Mesmo não sendo assim tão religioso, tão bom cristão, tão assíduo frequentador de missas e igrejas... Que Deus lhe pague!

1 comentários:

Anônimo disse...

Oie!!! Como prometido estou aqui para comentar esse breve post.Primeiramenteque sorte a sua, mas também nota de um real é assim né, tropeçou conhece alguém! Adoro seus escritos, embora perdida e suplicando por um análise, sou uma eterna apaixonada por todas as suas histórias, metáforas, contos e agora vou até começar a estudar sobre esse tal jogo de dardos!

BjuBJu

Hellen

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