Ser pai: A Descoberta do Verdadeiro Amor

Ontem, sentado numa mesa aqui no Filial, na Vila Madalena, acompanhei uma discussão acerca de amor e relacionamentos. Incrível ver que, apesar de algumas superficiais diferenças de opinião, é quase senso comum de que o amor implica em um relacionamento -- no geral, monogâmico, que implica dentre outras coisas, fidelidade (com os mais diversos conceitos nesse sentido -- ontem, discutiu-se que quando há amor, não há desejo por outras pessoas, outro que há desejo, mas não há a consumação, ou até mesmo há atração, mas não há desejo). Em primeiro lugar, ontem, defendi a tese de que isso era deveras superficial, ou até mesmo, uma subestimação ao amor. No meu conceito, "amor" é algo que se cria à partir de um relacionamento bem resolvido e maduro, com afinidades e objetivos comuns -- inclusive, a ânsia pelo triunfo do próprio relacionamento, e não uma paixão avassaladora que pode ou não levar a um relacionamento e, sobretudo, acaba com a atração por outras pessoas.
Hoje, caminhando pela Cardeal rumo a Fradique Coutinho, lembrei-me todavia de um amor que conheci recentemente, para ser mais exato, há pouco menos de 2 anos e meio, que me parece ser o amor mais verdadeiro e isento de qualquer condicional, que nasce de forma abrupta e não desaparece de forma alguma. Falo do amor que passei a experimentar quando veio ao mundo a Rafaela, minha filha.
Os gregos costumavam falar em três tipos de amor: Eros, Philos e Ágape. O primeiro refere-se ao amor dentre dois parceiros, ligado ao prazer da concupiscência e à possibilidade disso tornar-se transcendental. Philos, é o amor relativo à amizade, algo que surge quando a companhia "per se" de uma pessoa te faz sentir bem, e faz desejar que essa pessoa esteja sempre presente na sua vida. E Ágape é o amor sem nenhuma condição, que satisfaz nossos corações pela simples existência de algo, seja nós mesmos, o mundo, um fenômeno da natureza ou uma pessoa. É um amor que leva a um sentimento de ananda (do sânscrito, bem-aventurança, plena satisfação), sem nenhum obstáculo, condicionantes ou duração temporal. É o amor que não é o de Vinícius, que não é imortal, "posto que é chama", mas que é infinito "enquanto dure". Este não dura. Esse existe ad eternum.
Impossível conhecer esse amor quando não se tem uma filha. É mais intenso do que o amor que se tem por uma mãe ou por um pai, que parece um amor de Philos, também na maior parte das vezes incondicional, mas que pode enfrentar obstáculos. Ser pai (ou mãe) é a porta para experimentar o amor verdadeiro, que dura para sempre -- até que a morte nos separe. Óbvio que para perceber esse amor -- não que ele não exista, mas há uma diferença entre sentir e perceber esse sentimento -- é necessário um nível de maturidade e despojamento de todos os outros conceitos pré-moldados sobre isso. A necessidade de criar ou não o filho é uma das coisas que pode tornar as pessoas envolvidas mais próximas, mas a distância não impede que esse amor exista. Notei que quando esse amor é percebido, torna-se impossível não sentir a saudade, o que não é verdade quando ainda não se notou a existência desse amor latente no próprio coração.
Todas as obrigações inerentes à função de pai, impostas pela sociedade, não são uma condicionante para o amor. São opções, que podem ou não ser exercidas. Com o sim ou com o não, o coração está tomado por amor. Externando ou mantendo trancado esse sentimento, ele ainda está lá. Basta cavar e ele brota rumo ao sol. Depois de nascido, nada mata, nada arranca, nada esconde. A não ser a própria incapacidade de lidar com os próprios sentimentos.
A própria existência de uma pessoa, nesse caso, é algo que satisfaz. Uma lembrança, um sorriso, um pensamento de que ela está lá, em algum lugar, mesmo que não esteja aqui -- não por falta de vontade minha, mas por egoísmo daqueles que relacionam esse amor à posse, que eu tolero pela serenidade que esse amor me trás e a crença de que esse amor possa mudar não só a mim, mas aos outros que também amam, os momentos que tornam-se uma eternidade, longos mesmo quando são breves, a vontade de me tornar uma pessoa melhor para que alguém possa acompanhar esses passos, mesmo que de longe, mesmo que não queira seguí-los -- afinal, "faça o que eu digo mas não o que eu faço" é a coisa mais hipócrita já inventada para justificar as próprias cagadas daqueles que deveriam educar com exemplos, e não com palavras, são coisas que só um amor verdadeiro, por si mesmo ou outrém, por outrém que se faz parte de si, não como posse, mas como sua continuidade, pode provocar em uma pessoa.
Quanto aos outros amores? Torno a Vinícius: seja atento a ele. Com zelo, que mesmo em face do maior encanto, dele se encante mais seu pensamento. Viva cada vão momento. Em seu louvor, cante, ria, derrame seu pranto, no pesar ou no contentamento. Mas que ele não seja imortal: ele é chama. Seja é infinito enquanto dure.
E, depois... Comece de novo. É sempre tempo de recomeçar.

0 comentários:

Postar um comentário

(os comentários desse blog são moderados)

 
;