Felicidade: Reflexão sobre minhas necessidades supérfulas


Acordei às 7h. Bem. Desde 13/11/2010 sofro de insônia: não sinto sono. Estou recorrendo à psiquiatria (não sou maluco de tomar remédio nessa área sem prescrição, muito embora em um período em que fui considerado 'depressivo' tenha conhecido todos os fármacos nessa área e suas bulas, em um experimento que os médicos conduziram durante seis meses com todos os anti-depressivos possíveis até chegar à conclusão de que eu não sofria de depressão), e também contra os meus princípios (ecoa Ponty e Kant na minha cabeça sempre que recorro à ciência, à qual infelizmente a maioria dos médicos, cientistas e a maioria dos teóricos, até o clero atualmente, estão presos. A ciência encerra-se em si.
Mas não é sobre esse meio e esse tipo de visão de mundo que quero dissertar. Quero refletir, antes mesmo das primeiras impressões sobre o dia, inspirado por uma conversa que tive com uma grande amiga na segunda-feira (ou terça) sobre fases da vida. Apareci com um argumento novo, enquanto tomava um Milk Shake no Toninho's, ao lado do Burdog, que tem um dos melhores Milk-Shakes da cidade.
Ano passado foi um ano do cão. Se existisse um zodíaco de fases da vida, cão seria perfeito para definir certas coisas: vivi a ressaca de todos os anos anteriores (na maioria do tempo, literalmente), o que penso ser a causa desse período reflexivo que estou passando. Vou amadurecer, portanto, o texto da madrugada, que foram praticamente palavras cuspidas a esmo enquanto eu estava com dor de cabeça, cansado e sem a mínima inspiração.
Vivi por muitos anos em função do supérfulo. Rosseau e Diderot, principalmente o segundo, falam sobre essas necessidades supérfulas -- e irreais, enquanto necessidades, e o quanto isso é desnecessário e degenera o homem (e a humanidade). No Suplemento à Viagem de Bougainville, Diderot ressalta: "Tudo o que nos é necessário e bom, nós o possuímos. Quando temos fome, temos o que comer; quando temos frio, temos com que nos vestir. [...] Persegue até onde quiseres isso que denominas comodidades da vida; mas permite a seres sensatos que se detenham, quando não teriam a obter, da continuação de seus penosos esforços, senão bens imaginários".
Enquanto homem degenerado (e não natural, tal qual define Rosseau), essas necessidades supérfulas são parte de mim: tenho um celular que mal faz ligações, mas acessa à internet de forma espetacular e tem outras tecnologias que o uma necessidade quase imaginária: existem tecnologias que ainda nem estão em uso nesse infeliz aparelho. Custa muito mais que um dia de trabalho, no valor que deram ao meu corpo e minha mente pela minha mão de obra, num trabalho essencialmente desnecessário: "Se nos persuades a transpor o estreito limite da necessidade, quando findaremos de trabalhar? Quando fruiremos?". Mais que isso, proporciono lucro à instituição que mais lucra com o supérfulo: crédito pessoal, veículos, propriedades, ações... Vendo felicidade instantânea em parcelas com juros escandalosos, de um dinheiro que não existe fisicamente (ao menos que fosse representado por notas, mas se um dia todos resolverem tirar esse dinheiro do caixa, não existirá moeda suficiente para representá-lo). Carros que são produto de uma necessidade criada pelo marketing para abastecer esse mercado de crédito, para serem trocados de 2 a 5 anos ou no final das parcelas, com a beleza variável a cada ano-modelo e padrão do que será um carro bonito e desejado no ano seguinte. Carros são o ícone da necessidade supérfula. Uma família não precisa de carne na mesa, mas precisa de um carro do ano, financiado por mais de 40% do valor da renda familiar e trocado no final desse financiamento por mais parcelas. Outro incentivo à isso é o sucateamento do transporte público e incentivos fiscais do governo quando caem às vendas.
Saindo do plano social e entrando na individualidade, no caráter e no ser humano, eu, que nunca comprei um carro (ganhei um, é verdade, mas já vendi, ter carro é um tanto contra meus princípios), vivi minha vida comprando e vendendo carro no sentido figurado. Comprei muita felicidade engarrafada ou prazeres que só desembolsando esse dinheiro, fruto do trabalho estressante e que só gera lucro para quem está empregado na manutenção das necessidades supérfulas, comprando e comprando coisas que não geravam momentos de real felicidade, só de satisfação. Jantares no Terraço Itália, presentes caros para pessoas que não valiam nem 1/10 deles, viagens que me satisfaziam por levar mulheres que se atem ao suprimento dessas necessidades (próprias e alheias) em troca de satisfazer-me com um padrão de beleza criado por essa sociedade doente que privilegia o fenótipo ao caráter. Comprei um caráter desses e o vendi muitas vezes. Comprei felicidade engarrafada por um preço superavitário. Isso me levou a ter ogeriza ao álcool e à decisão que tomei de parar de beber, tanto por uma necessidade física, quanto por desejar dar um passo para as necessidades reais, não imaginárias. Percebi que esse torpor e essa felicidade engarrafada não trás felicidade -- muito embora, é verdade, tive momentos muito gratificantes com ela. Mas não realizadores, pessoalmente falando.
Livrei-me desse primeiro vício, espero. Luto agora para livrar-me do vício da promiscuidade, mais antigo que o da garrafa e cultivado por todos esses anos. Também luto para livrar-me do vício do cigarro, novo, outro entorpecedor do meu desejo e completamente desnecessário se eu embeber-me dos hormônios produzidos naturalmente por exercícios físicos. Sobretudo, todavia, tento me livrar do vício do sexo por sexo desvinculado da plena satisfação e atrelado aos padrões tanto de beleza quanto de suprir necessidades também criadas para moldar o sexo tal qual a sociedade o definiu. Esse aprendi em anos e anos de putaria onde uma insatisfação constante me fazia avançar ainda mais nesse campo e, em conjunto com todas as outras necessidades citadas, só me conduziu a um vazio que nunca sumiu em todos esses anos. Tudo só gerava mais vazio.
Tenho feito novas amizades e cultivado amizades antigas onde sabe-se lá porque essas pessoas se satisfaziam só com a minha companhia, sem se importar com o dinheiro que eu tinha no bolso e com quão engraçado eu estaria entorpecido pela felicidade engarrafada. Me afastei das outras: essas não quero mais pra mim. Me aproximei de uma pessoa que me satisfaz por sua própria existência e que me proporciona momentos felizes todas às vezes que nos encontramos, o que levou a me satisfazer pelo simples fato de sua existência. Passei a ter prazer em sair com minhas irmãs e meu irmão, para um almoço, uma ida ao paintball ou o que o valha, que trouxe momentos de felicidade e satisfação até outrora desconhecidos. Eles sempre estiveram lá, mas eu não estava. Preferia desfrutar de momentos prazerosos e finitos com pessoas para quem eu não importava nada e que me eram próximas por conta do que eu tinha a oferecer. Também voltei a ter momentos felizes com amigos dos quais me afastei, por exigirem de mim que fosse autêntico e, como eu já pensava ser, não estava disposto a proporcionar uma autenticidade que eu não considerava autêntica [eco proposital]. E penso que isso é bom. Para mim, tem feito bem e trazido uma satisfação que eu nunca experimentei antes.
Também tem me deixado feliz acordar e olhar para a selva de pedra como uma chance de descobrir novos momentos desses sem esperar que eles aconteçam. Quando eles acontecem, fico ainda mais feliz por terem acontecido. Sábado me trouxe uma experiência determinante para perceber isso. Descobri uma pessoa fantástica que foi 'culpada' por essa percepção (e por um momento de felícidade ímpar, que me trouxe uma insegurança muito grande de que talvez isso nunca mais se repita. É a vida: estou tão acostumado com essa felicidade finita que, na contemplação de uma felicidade que pode ser duradoura [e real, e plena], penso eu que ela pode acabar em um piscar de olhos (como todas as outras felicidades supérfulas acabaram). Não conheço nenhum artifício para prolongá-la, mas diz-me uma sábia psicóloga que elas só acabam se eu deixar de ser autêntico e espontâneo. Só vou descobrir se isso é verdade mais pra frente. Por hora, só curto e sou feliz.
Não existe manual de instrução para tudo isso, mas quando parei de me preocupar com uma pseudo-complexidade para conhecer essa experiência, as coisas começaram a fluir (ou fruir). Algumas pessoas que reencontrei depois de muitos anos me levaram a indagá-las como raio pude ignorar sua existência por tanto tempo (e mais, não perceber o quão encantador é esse caráter do qual eu me afastava por motivos torpes). Outros, velhos amigos, que me dão prazer por sentar em uma mesa, fazer uma caminhada, falar ou calar, me levam a me perguntar como pude ignorar esse tipo de companhia. E pensar que eles estavam lá o tempo todo, eu que não estava.
"Enquanto faço elogios vãos, escondo de ti os profundos,
Enquanto falo palavras complicadas, escondo de mim a simplicidade,
E nesse jogo de inverdades, descobri o sincero."
Intensidade sempre foi meu sobrenome. Empregada no supérfulo, levava a intensas decepções. Aplicada no desconhecido, não sei a onde leva. Mas tem me trazido uma felicidade que desconhecia. Só sei que, tal qual disse um dos filósofos citados, somos sociáveis por natureza. O fim da degeneração dessa sociedade, penso, começa por valorizar as pessoas mais pelo que elas são do que pelo que elas tem, seja a beleza externa, seja o dinheiro, seja o status. Só posso militar por isso se acabar com essa minha própria degeneração, senão seria hipócrita. Percebi que isso não consiste em me isolar para refletir: existe quando vivo, com outras pessoas, momentos realmente intensos, despretensiosos e felizes. Onde não preciso fingir ser alguém que não sou. Ser sociável passa por valorizar o aprendizado que isso proporciona. Sobretudo: curtir essa felicidade que só existe quando dois ou mais pessoas estão juntas tão somente por estarem juntas e satisfeitas só por isso.
Não sei mesmo se vou chegar lá e perpetuar essa felicidade. Mas estou tentando. Se dará certo ou não, não sei. Mas com certeza, estou sendo muito mais feliz assim.

Post scriptum: não poderia compreender isso sem os grandes amigos que perduraram na minha vida, o que me leva a agradecê-los, muito! E, sobretudo, à pessoa quem tem me proporcionado momentos ímpares. Desculpa por outrora! Obrigado pelo presente! Penso que tanto esses amigos, quanto essa pessoa, sabem quem são.

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