Reflexões de um Depressivo

Os médicos falam sobre uma tal "dificuldade de lidar com frustração". Consideram isso uma patologia. Eu penso mais como Merleau Ponty, "a ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las", os seja, patológico porra nenhuma, é natural, fruto de um caráter mal construído e que pode (ou não) ser remediada com porradas da vida -- essa história de que se aprende por amor é pura balela.
O Pensador, Rodin (fonte)
Eu tenho dificuldade em lidar com frustrações. As minhas e as alheias. Não suporto ouvir um não (e é bem verdade, não consigo dizê-lo). Não suporto a mediocridade -- para mim, as coisas precisam ser no mínimo excelentes. Isso se reflete em todas as áreas da minha vida.
As pessoas me consideram muito crítico. Não sou: sou exageradamente auto-crítico. Odeio, é fato, a hipocrisia. Falo o que me vêm à mente e foda-se se quiserem ouvir ou não. Isso inclui dizer palavras como buceta, foda, merda e cu sem nenhum pudor. Se uma mulher é linda e sinto a vontade de dizê-lo, falo. Se não é (ou se não sinto vontade de dizer), calo.
Em algumas coisas sou especialmente bom. Prova é uma delas: já passei na Fuvest, em concursos (vários deles), na Federal que estudo hoje e na empresa que trabalho. Vendo gelo até para esquimó. Vendo a mim mesmo. Sorrio e faço sorrir. Meu prazer maior no sexo é o prazer alheio, e não me satisfaço com menos que isso. Consigo parar enquanto é tempo -- mesmo que às vezes demore. Peço ajuda quando é indispensável, e elimino problemas tal qual os identifico.
Sempre escrevi. Não tolero minha própria mediocridade e nunca achei algo que escrevi bom. Sempre, sempre mesmo, falta algo. Sempre eu poderia ter feito melhor.
Não suporto minha falta de cultura. É lógico que conheço de cabo a rabo a dialética erística de Schopenhauer e posso manipular uma conversa para parecer culto. Não sou. Desconheço muitas coisas e isso me incomoda o tempo todo. Falo espanhol mas queria falar francês. Leio em inglês mas queria ler em chinês. Me decepciono comigo mesmo por não conhecer nenhum daqueles malditos caracteres árabes, mesmo que conheça o devanagari.
Sabe, não sei se o que motivou essa tristeza súbita foi o fato de não ter ido bem nos dois concursos que prestei. Considero um retrocesso, uma disputa comigo mesmo no passado. Emburreci com o passar dos anos. Enquanto atropelava as pessoas, atropelei e negligenciei a mim mesmo. Sorria por fora e fazia sorrir, como já disse. Por dentro tinha um choro contido, imperceptível, que machucava a garganta e agora explodiu. Ainda não para fora.
Continuo sorrindo. A fragilidade não é atraente tampouco bem vista (ou quista). Se sou uma boa companhia é porque engulo a fragilidade. Quem descobriu meu choro contido não está mais ao meu lado. Para quem eu resolvi não mais sorrir, me deixou sozinho. Não, mais que isso, sempre estive sozinho. Mesmo com a cama ocupada, mesmo que cercado por uma multidão.
Isso me cansa. Mata por dentro minha humanidade. Já descontei muito disso em amizades e relacionamentos, magoando os outros quando a verdadeira mágoa estava dentro de mim. Fiz pessoas se sentirem um lixo mas eu próprio era essa lixeira.
É, eu cansei. Prefiro não me relacionar mais que magoar pessoas. Prefiro estar sozinho que mal acompanhado. Prefiro uma conversa sincera a ser um personagem num xaveco. Prefiro ser eu mesmo que o outro. Amanhã tudo vai estar igual. O choro por dentro, o sorriso pra fora. A casca da cebola encobrindo meu núcleo. A cebola fede. Eu já acostumei.
Foda-se. O mundo não quer um fraco e não vou entregar a fraqueza. Duvido que ninguém se identifique com algumas dessas linhas. Mas, como eu, o choro é contido. E assim se constrói a solidão coletiva. Se todos fossem sinceros -- consigo mesmo -- não haveria solidão. Alguns justificam seus atos por suas próprias fraquezas, desses tenho pena. Eu admito que fui canalha e filha da puta (mas minha mãe é uma santa). E eu nunca vou me perdoar por isso.
Passado é passado? É passado. Mas também é pesado. Minha coluna enverga, meus ombros doem. Falta de desapego? Não. Falta de perdão. Quem não se sente só que atire a primeira pedra. Não só pelos outros, mas só de si mesmo. Quem nunca magoou, mentiu, matou outro por dentro? Quem nunca chorou?
E não, não me lamento da vida. Ela é muito boa. Tenho a sorte de conhecer ou ter conhecido (Geraldo, que Deus o tenha, mesmo que você me mandasse tomar no cu por dizer isso) pessoas maravilhosas. Muitas delas me ensinam -- e me dão a esperança -- de que eu seja uma pessoa melhor um dia. Não sei se vou conseguir. Mas com certeza, vou tentar.
Se não por mim, pelo amor da minha vida: Rafaela. Seu sorriso é sincero por dentro e por fora. Desejo mesmo que fosse assim para sempre, mas isso é impossível nessa sociedade hipócrita. Mas para isso eu existo: para fazê-la sorrir. E ela é a única que me faz sorrir por dentro. Pela primeira vez o amor faz sentido, e eu que pensava que ele não existisse. Existe e eu sinto, e toco, e respiro, e engulo. Se tenho uma razão para suportar tudo isso é a Rafaela. Então, vou me adaptar -- ou continuar adaptado. Vou manter o sorriso na cara e seguir em frente. Ninguém precisa saber o que se passa na minha cabeça (mesmo assim, eu digo). Mas que quero dar o melhor de mim, ah, quero.

Amém mestre. Amém.

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