Jair Bolsonaro: Muito além do preconceito



Já está mais que conhecida a história de Jair Bolsonaro no CQC: conforme vê-se no vídeo acima (pré requisito para entender bem minhas reflexões tecidas a seguir), o Deputado do PP do Rio expressou seu apoio à ditadura, chamou a Dilma de bandida (bem, o que concordo, mas não pelos mesmos motivos que ele), e disse que a homossexualidade é produto de maus costumes e de "pais ausentes" (se [meu filho] tiver uma boa educação e um pai presente, então não corro esse risco [da homossexualidade]).
Dentre outras coisas, Bolsonaro expressou a opinião (comum ao militarismo) de que o Brasil só pode ser respeitado se tiver o poder de intimidar, e que FHC deveria ser fuzilado por ter vendido a Vale do Rio Doce, chamando-o de traidor da nação. Vamos explorar melhor esse argumento... O nacionalismo, regime do qual Hittler era adepto, "em seu sentido mais abrangente [...] designa a [...] de determinado grupo político, o Estado nacional, que se sobrepõe as ideologias dos partidos, absorvendo-as em perspectiva" (Dicionário de Política, Noberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino).

Porém, justamente com esta significação, outra existe, mais restrita, que evidencia uma radicalização das idéias de unidade e independência da nação e é aplicada a um movimento político, [...] que se julga o único e fiel intérprete do princípio nacional e o defensor exclusivo dos interesses nacionais.

[Estruturou-se] aos poucos sobre os escombros da sociedade feudal, que definiu sua individualidade apresentando-se a si próprio como um poder independente no contexto dos Estados e como um poder superiore com relação aos outros centros de poder -- em primeiro lugar a Igreja -- que atuavam no interior do Estado. É bom salientar que, nos seus inícios, o Estado soberano tinha estrutura autoritária [...]. (Idem)
De uma idéia que nasceu na Revolução Francesa sob a bandeira da fraternidade e igualdade entre as nações, além da soberania do povo, surgiu a deturpação do princípio da igualdade quando passou-se a privilegiar a a fraternidade dentro na nação sobre a fraternidade de todos os povos. Mais que isso: o autoritarismo enquanto forma (ou pretexto) de manter a ordem e a igualdade de direitos (à propriedade, aos lucros, dentre outros). Desde a revolução francesa foi adotada a guerra como forma de exportar a liberdade e fraternidade para outras nações. Atualmente, um exemplo claro dessa ideologia é a postura dos Estados Unidos face outras nações: o messias da democracia mete bala naqueles que não aderirem ao seu regime "igualitário" e de poder "do povo".
Isso, para mim, evidencia que sem o internacionalismo, não existe fraternidade. Os homens são iguais, fraters, sejam de uma ou outra nação. A própria delimitação de fronteiras, sejam internacionais, sejam domésticas (essa é minha propriedade, aqui o rei sou eu), já pressupõe a desigualdade. O direito de defender essas fronteiras ou de exportar sua própria ideologia "na porrada" é um instrumento de desigualdade.
Daí podemos discutir o preconceito. "Todos são iguais perante a lei", diz a Carta Magna, citada pelo deputado em sua defesa contra o Conselho de Ética na câmara. Como podem ser iguais aqueles que, legalmente, podem ser oprimidos pela "ordem" e pelo aparato da repressão? E aqueles que não tem acesso à lei que, conforme diz um preceito do direito, só age se provocada? E aqueles que não conhecem seus direitos e o Estado não tem a mínima vontade de fazê-los conhecer (e fazer valer)?
Que espécie de fraternidade pode existir se um homossexual é mero produto de uma disfunção social e, portanto, uma "classe" à parte? Os defensores desse ponto de vista não só vão contra o princípio da liberdade e igualdade, mas também dos primórdios do "nacionalismo" da Revolução Francesa. Por que é que a orientação sexual faz do outro diferente de mim enquanto ser humano, com menos direitos, com preconceito, mesmo que sobre a égide de que "a Bíblia condena o homossexualismo", a mesma que reduz a mulher a objeto e causadora da desgraça da humanidade?
Isso não é uma questão moral: é uma questão de classe. Quando reduz-se os homossexuais à uma classe à parte, sem direitos, sem igualdade, e esquece-se que todos nós somos vítimas de opressão, de alienação, de redução de direitos, é fácil dizer que somos desiguais. Não somos! Os negros também são vítimas de tudo isso. Na hora de distribuir direitos, eles distribuem de forma desigual. Na hora de explorar nossa mão de obra e lucrar com nossa força de trabalho, eles tratam todos da mesma forma. Isso não é desigualdade. É conveniência.
Bolsonaro deixa clara a ideologia da classe dominante, não só os militares, quanto aqueles que lucram com nossa alienação. O escândalo que faz-se em cima da fala do Deputado deveria fazer-se sobre o dia-a-dia norteado por essa visão, que é a forma que o Estado (que não é do povo) nos governa. Devemos lutar pela deposição do Bolsonaro? Talvez. Precisamos depor sim essa forma de governo, e lutar pela igualdade de fato.
À partes a parte, é vergonhoso que uma emissora de TV use esse depoimento como forma de sensacionalismo e de lucro com a audiência. O CQC começou com uma até saudável discussão política, há 2 anos (penso), mas agora apela para um humor que, se fosse policial, seria próximo do histórico Notícias Populares. Se Bolsonaro é nazista, como ouvi dizer bastante por aí, a mídia é cumplice de difundir essa ideologia sem uma discussão política de como combater esses problemas no nosso cotidiano. É um incentivo para que surjam outros Bolsonaros por aí: e para fazer calar aqueles Bolsonaros hipócritas que agora defendem a cassação do seu mandato.

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